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Se gostar, morderá de novo – Raw

Raw ou Voraz (título em português) é filme francês de Julia Ducournau que mostra o canibalismo de um ponto de vista que não deveria ser inovador, mas é: da mulher. O filme de 2016 não tem cenas escuras, jumpscares ou sangue nas paredes. Ele lida com a realidade e isso – quem há de negar?…


Os traumas no cinema de horror

Todos nós estamos suscetíveis a sofrer algum tipo de trauma, isso pode acontecer durante nossas vidas. Algumas vezes são coisas naturais, outras são infligidas por pessoas. O gênero de horror consegue extrair tudo que o ser humano é, e também trabalhar os traumas dentro do seu enredo. Recentemente assisti ao curta brasileiro de horror chamado…


Representação feminina no terror: gravidez

Recentemente assisti (pela primeira vez) ao clássico O Bebê de Rosemary, de 1968. Para quem não conhece, a história é sobre o casal Guy e Rosemary que se muda para um apartamento e decide ter um bebê. Os vizinhos são um casal de idosos bem esquisitos. Com o tempo, coisas estranhas vão acontecendo e Rosemary…


A Visita (2015) – Um registro de família, união e perdão.

A Visita é um filme dirigido por M. Night Shyamalan, lançado em 2015 que conta a história dos irmãos Becca e Tyler que são chamados pelos avós distantes para passarem uma semana com eles e finalmente conhecerem os netos. O filme se encaixa no subgênero que toma como estética visual o found footage, como se a história se tratasse de um documentário, gravações caseiras encontradas e etc. Subgênero do qual ficou famoso pela explosão do filme a Bruxa de Blair, influenciando diversos outros filmes do gênero horror que vieram a seguir com a sua fórmula de filmes encontrados.

Uma característica importante para a realização de um filme found footage é que a ação é guiada pelos personagens que carregam as câmeras de vídeo por todo o filme, ou seja o diretor revela o dispositivo câmera, item que é escondido pelos filmes que fazem parte de um cinema clássico e tem como objetivo manter a naturalidade da narrativa escondendo o dispositivo câmera dos olhos dos espectadores para manter a platéia nos trilhos da obra, sem quebrar a diegese fílmica. Entretanto neste caso, sabemos que há uma câmera registrando tudo o que é mostrado, mas por ainda se tratar de uma ficção, no found footage, o realizador precisa de uma boa “desculpa” para que o espectador se conecte com a história e aceite que os personagens levem a câmera para todos os lados, escondendo o motivo principal: a câmera precisa estar com os personagens pelo simples motivo de que sem ela o filme não existe, para assim manter a diegese do filme. Essa “desculpa” é o primeiro acerto do filme, Becca é uma aspirante a cineasta e quer aproveitar o final de semana com os ainda não conhecidos avós e fazer um documentário pessoal sobre a visita a fim de resolver problemas mal resolvidos entre sua mãe e seus avós, que durante a narrativa se revela que é um motivo ainda mais nobre.

Até aí esta “desculpa” não é nenhuma novidade, Bruxa de Blair mesmo é sobre um grupo de jovens fazendo um documentário a procura de uma famosa bruxa, mas a inovação não está na ideia e sim na forma como ela é trazida ao filme, a estética e o documentário de Becca não servem apenas como um fio condutor da narrativa e sim como parte integrante de todo o enredo personificado pelo próprio Shyamalan por trás da personagem Becca. Ela age como a diretora do filme e ele é todo montado em função dela, compõe os enquadramentos em cena, ficando bonitos propositalmente pois ela é uma garota que estuda cinema, dirige o irmão para que ele aja mais naturalmente enquanto realiza ações banais como desfazer as malas, já que o documentário segundo ela precisa ser crível para os espectadores, eles discutem misé-en-scene, ética do cinema e Becca ainda realiza exercícios de direção de atores com os avós e o irmão para melhorar o resultado das entrevistas que ela precisa para alcançar seus objetivos com o filme. Enquanto ela age como diretora, aparece em vários momentos editando o filme pelo computador, pensando na trilha, o irmão, Tyler, serve como um assistente de direção, manuseando a segunda câmera do filme, ele aprende com a irmã o básico de captação de imagens e é responsável pelos momentos descontraídos do filme. Com todos esses elementos sendo expostos o diretor consegue discutir cinema e o pensamento cinematográfico sem estragar o processo de apreciação do filme, pois é tudo muito natural, inclusive, talvez, a grande mensagem do filme seja como o cinema e as imagens podem ser tão poderosas a ponto de curar feridas emocionais muito profundas.

 

 

Para a realização de um filme como esse, grande parte da responsabilidade, se não toda, está na mão dos atores, pois para mantermos a já citada diegese com o dispositivo câmera totalmente exposto precisamos de atuações extremamente naturais, pelo menos por parte dos dois irmãos que regem a narrativa, o que eles fazem muito bem, pois em nenhum momento o espectador desconfia da capacidade dos atores e nada parece atuado ou forçado. O diretor consegue extrair todo o potencial dos dois jovens atores em momentos de planos longos e câmera parada com zooms poderosos, onde eles têm apenas a lente das câmeras para contracenar, e diga-se de passagem os momentos das entrevistas são onde eles se destacam, a atriz Olivia DeJonge, Becca, é o grande destaque já que a personagem além de dirigir e conduzir toda a narrativa, ainda precisa demonstrar muito sutilmente a tristeza e melancolia que afeta a personagem, por conta do abandono do pai quando era pequena, que precisa ser forte pelo irmão e pela mãe. Ela protagoniza uma das sequências mais bonitas e singelas do filme, em um desses momentos de câmera parada em que o ator está inerte enfrentando o olhar invasor das lentes, Tyler questiona o porquê da irmã não conseguir se olhar no espelho e se vê apenas pelas lentes da câmera, a construção do plano se transforma em um registro muito íntimo da personagem que está totalmente exposta. Ela com poucas palavras e um jogo de olhares consegue expressar muito bem o sentimento que acomete a personagem através de uma frustração muito grande, proveniente de uma insegurança que ela havia guardado e trancado a sete chaves. O ator Ed Oxenbould, também não fica atrás, em seu momento de intimidade com a câmera, ele se revela contando sobre a última história que teve com o pai e traz consigo um sentimento infantil de culpa por parte dele pelo abandono.

 

 

Esse clima de melancolia e tristeza permeia toda a narrativa e faz parte do grande “tema” do enredo, apesar da situação de horror que comentarei mais à frente, o filme comenta sobre esses pequenos rituais e feridas que grandes traumas podem trazer à quem sofre e eles ficam escondidos, quase não notados cotidianamente, mas, novamente, o bom uso da estética found footage do filme mostra que eles não ficam escondidos diante dos olhos das lentes. Tyler tem medo de germes depois que o pai foi embora e está constantemente se limpando, Becca não se olha no espelho e evita falar do pai, a mãe parece sempre ansiosa quando fala com os filhos via skype e sempre acaba dizendo coisas na “brincadeira” como por exemplo que nunca vai ser feliz, os avós estão sempre agindo estranho e evitam falar da filha ou de qualquer coisa do passado, ou então sobre as suas fragilidades expostas pelos netos através das filmagens. O diretor introduz neste drama, além do horror, um humor como um chiste no filme, assim como seus personagens o fazem para esconderem suas feridas. Todos estes elementos narrativos conseguem dar certo porque todos esses sentimentos, inclusive o humor, são inerentes aos personagens, graças a um roteiro minuciosamente fechado sem pontas soltas, com tudo que é mostrado tendo propósito somado a uma química clara entre os atores, os irmãos parecem irmãos com brincadeiras e provocações, a mãe deles claramente os ama e os avós possuem segredos e mistérios que vão aos poucos sendo mostrados.

 

 

Apesar de ter citado muitos elementos dramáticos e exacerbado a estética do found footage, A Visita se trata de um filme de horror, com o uso excelente das ferramentas que o gênero propõe e que foram aprimoradas desde sua gênese, é onde Shyamalan acerta, pois ele não traz uma grande inovação em ferramentas, contudo demonstra um uso muito consciente delas, denotando que ele estava seguro ao fazer o filme. O naturalismo que o found footage propõe é aos poucos invadido por uma sensação de insegurança e apreensão por parte das ações pouco convencionais que os avós de Becca e Tyler apresentam com o passar dos dias. Através da figura dos idosos o diretor faz o uso das fragilidades que a idade pode trazer ao ser humano, elemento que por si só já ativa aquela ansiedade bem profunda que todos nós temos sobre o envelhecer, fragilizar-se e eventualmente falecer, para aos poucos causar o estranhamento nos personagens principais e por consequência na platéia. Mesmo com 94 minutos de filme, ele consegue trazer uma crescente lenta e bem acertada, que contribui para nossa ansiedade de o que está acontecendo, e se apóia justamente na fragilidade que um idoso pode ter, que em primeiro momento não coloca Becca e Tyler em uma sensação de perigo, pois tudo é justificável com explicações plausíveis tanto de Nana e Pop Pop, sobre estarem velhos e as vezes esquecerem as coisas, ou Nana andar a noite pela casa vomitando, arranhando as paredes da casa nua ou correndo pelos cômodos. Tudo isso é usado em tempo certo para contribuir na progressão do medo e da já citada sensação de insegurança, que só aumenta por vir justamente da própria família, que tem como ápice, após várias sequências bem planejadas como o sufocante esconde esconde nas fundações da casa, o final do filme, que como a tradição do cinema de Shyamalan demanda tem uma grande revelação.

 

 

 

A Visita é um filme com uma narrativa densa, que fala sobre família, rancor, amor e perdão. Todos os personagens no filme procuram curar feridas internas e como todo bom filme de horror a busca dos personagens é atingida após uma experiência exagerada, violenta e traumática. Com um roteiro bastante fechado é um dos grandes filmes do Shyamalan e, agora eu devo me revelar perdendo a neutralidade, um dos melhores found footage que vi, com momentos extremamente pessoais aliados à atuações que podem tirar algumas lágrimas como a cena final ou então sequências extremamente perturbadoras como os planos noturnos e toda a parte final do filme que é bastante forte. Shyamalan, mesmo como um filme denso, finaliza a narrativa de forma bastante inocente e positiva, o que pessoalmente acho necessário e justo, pois finais tristes e amargos são bons, mas às vezes precisamos ter um pouquinho de otimismo e esperança ao assistir um filme, crescermos e compartilharmos as dores junto dos personagens, uma mensagem importante que o filme trás é nunca guardar rancor, pois ele pode fazer mais mal pra si do que para quem ele é dirigido, isso fica bem claro com as imagens e narrativa poderosa que foram propostas pelo diretor e brilhantemente executadas pela equipe.

 

 


Parasita

Parasita é considerado um fenômeno de crítica. O filme conquistou prêmios importantes como no festival de Cannes e SAG awards.

No domingo, dia 09, fez história e se tornou o primeiro filme de não língua inglesa, a vencer o prêmio de melhor filme no Oscar. Além do principal prêmio da noite, o filme conquistou as estatuetas de melhor direção, roteiro original e filme estrangeiro.

Mas toda essa aclamação se deve à qual motivo?

Bong Joon-ho diretor de filmes como Okja, Expresso do amanhã e Memórias de um assassino, sempre demonstrou um grande senso crítico em relação à sociedade. Em Parasita, a diferença sócio-econômica retratada chega a doer. E piora quando pensamos que este abismo social é a principal causa dos problemas urbanos no mundo.

Temos de um lado a família Kim, que se encontra no mais baixo nível social. Isto é representado pelo lugar em que vivem, uma casa que fica abaixo da superfície. Essa família, busca formas alternativas de conseguir coisas básicas e só está esperando um oportunidade para mudar de vida. Essa oportunidade para subir os degraus na escala social, surge através de um emprego na casa da família Park, que são o retrato perfeito do sucesso e riqueza. 

Estas duas famílias quando se encontram, têm o primeiro exemplo parasitário representado no filme, um sugando algo do outro. Para os Kim, sua ambição e esperança por uma vida melhor é alimentada através da família rica. Para os Park, seus luxos e uma vida que não exige qualquer esforço mundano é fornecida pelo trabalho da família pobre.

É inegável o quanto é prazeroso ver a família Kim, se sustentando de quem tem muito mais do que precisa, mesmo que isso seja a base de muita enganação. Mas ao mesmo tempo, isso derruba pessoas que vivem na mesma situação que eles e esse esquema deflagra uma situação parasitária muito maior. Como os Kim não acreditam que é possível que devam coexistir com este Parasita, um problema surge. Temos então um embate de pessoas que na verdade deveriam se ajudar e isso é o estopim de uma série de acontecimentos que levam ao clímax do filme. 

O diretor Bong Joon-ho ao descrever o que pensou sobre o filme disse:

“Existem pessoas que estão lutando muito para mudar a sociedade. Eu gosto dessas pessoas e sempre estou torcendo por elas, mas fazer o público sentir algo nu e cru é uma das maiores forças do cinema. Eu não estou fazendo um documentário ou propaganda aqui. Não é sobre dizer a você como mudar o mundo ou como deva agir por que algo é ruim, mas ao invés disso mostrando algo terrível, uma explosão de uma realidade muito pesada. É isso que eu acredito ser a beleza do cinema.”

No fim das contas o diretor, mostrando a realidade nua e crua da sociedade, colabora para que se dissipe a névoa que está na maioria dos olhos. Mesmo de forma explícita em cenas que os Parks demonstram uma superioridade realmente baixa ou através de metáforas como as escadas que sobem e descem. Ou então com o Parasita quase literal que pode estar em qualquer lugar. Ou ainda, como muitas vezes, quem deveria se apoiar, briga para defender quem já tem muito. No final do filme, percebemos que a esperança pode ser um motivador, mas quando se está na mais baixa camada, nem toda inteligência e trabalho duro pode te tirar de lá.  

 


Culture Shock

Into the dark é, pelo menos na minha opinião, um dos projetos de terror mais interessantes dos últimos anos. Trata-se de uma espécie de série onde, todo mês, é lançado um telefilme de cerca de 80-90 minutos de duração que conta alguma história de horror tendo como pano de fundo um feriado. A produção é…


Drácula – Série 2020

  O início de 2020 nos presenteou com uma série que foi um divisor de águas para o grande público: Drácula, série produzida pela BBC em parceria com a Netflix, que veio com o objetivo de trazer uma nova personificação do icônico vampiro às telonas. O projeto foi desenvolvido pelos mesmo criadores da série Sherlock…


Adaptações no cinema de horror

Sempre que vemos uma notícia de que vai acontecer uma adaptação de uma história, seja de um livro, um quadrinho ou qualquer material que somos apegados, isso nos gera sentimentos conflitantes. Ficamos felizes por ver nas telas dos cinemas um material de uma obra que gostamos, ao mesmo tempo ficamos com receio da adaptação não…


Suicide by Sunlight

Ontem eu estava olhando o tumblr (sim, eu ainda acesso o tumblr) e dei de cara com um curta chamado Suicide by Sunlight, da diretora Nikyatu Jusu. A premissa me chamou a atenção logo de cara: Valentina, uma vampira negra, trabalha como enfermeira e também consegue caminhar sob a luz do sol por conta da melanina, que protege sua pele. Em meio a isso, ela lida com o fato de estar distante de suas filhas.

Eu não conhecia a diretora e nunca tinha visto essa questão da melanina como proteção dentro do universo de vampiros. Gostei bastante do curta, apesar de achar o drama familiar um pouco carregado, e a fotografia do filme é perfeita!

Encontrei o filme no Vimeo da própria diretora. Infelizmente não tem legendas, mas você pode conferir abaixo.

SUICIDE BY SUNLIGHT from NIKYATU on Vimeo.

PS: Aproveito para linkar essa lista de diretoras negras do terror postada no site Graveyard Shift Sisters.


Por que se inventou um Pós-horror?

Com o passar dos anos os estilos e gêneros do cinema vão sendo modificados, afinal houve toda uma nova aparelhagem tecnológica. Também os gostos daqueles que consomem os filmes foram se modificando, assim coube à indústria acompanhar aquilo que está mais adequado ao gosto dos telespectadores, visando o que dá mais lucro ou gera mais…