Mês: <span>abril 2021</span>

#85 – O Enigma de Outro Mundo

Necronomiconversa
#85 - O Enigma de Outro Mundo
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E no episódio de hoje eu (Euller Felix) e o Matheus Maltempi recebemos o Filippo Pitanga e o Renato Silveira para conversarmos sobre O ENIGMA DE OUTRO MUNDO!

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Artes do episódio por Juliana de Melo 

Edição feita por Euller Felix

Cinefantasy 11 – Mostra Brasil Fantástico

O cinema fantástico brasileiro é muito rico com obras de suma importância e no festival de cinema é a oportunidade de novas obras serem consumidas e apreciadas, além de estreitar as fronteiras entre estados e possibilitar que conheçamos mais o Brasil e a sua cultura cinematográfica. Por isso, não pude deixar de comentar também sobre os curtas que formaram a Mostra Brasil Fantástico, já que o trabalho de cineastas brasileiros precisa ser compartilhado, comentado e assistido.

 

A mostra é diversa não somente em questões de generalização, mas também em formatos e linguagem cinematográfica, como já havia comentado na Mostra Amador, aqui também senti a recorrência de curtas que flertam com o filme experimental e o ensaio, além da temática pandemia estar presente em boa parte dos filmes. Pode ser que vejamos essa temática perdurar por uns bons anos na produção de cinema brasileiro e mundial, já que ela afeta pessoas diferentes de formas diferentes e o cinema é apenas uma das diversas formas de expressar o sentimento das dificuldades que passamos em um período tão trágico e caótico da nossa história.

 

 

Um elemento bonito no cinema brasileiro é a “contação de causo”, pelo Brasil contar com uma população tão diversa isso foi refletido também nos curtas, já que todos eles carregam uma carga regional da área onde foram produzidos, principalmente na escolha das histórias que seriam contadas em cada um deles. Acho que regionalidade é a melhor palavra para definir o sentimento que essa mostra me passou, algo que cumpre um objetivo essencial na curadoria de uma mostra como essa, por isso atribuo este sentimento a um acerto imenso na escolha dos filmes para essa exibição.

 

Como fiz nos textos anteriores, gostaria de mencionar aqui os meus preferidos. Primeiro gostaria de indicar o curta-metragem “Nu Escuru” (dir. Guilherme Telli) uma releitura engraçada do clássico do expressionismo alemão Nosferatu de F.W. Murnau, mas que não deixa de tecer um comentário ácido sobre a atual conjuntura política durante a pandemia. “O Bálido Interno” (dir. Elder Déo) tem uma fotografia linda e uma narrativa extremamente angustiante, ele toca em temas sensíveis como a intolerância religiosa e a hipocrisia de muitos que pregam o “amor” através do ódio, a personagem principal e o seu bode de estimação conquistaram toda a minha empatia. “Mãtãnãg, a encantada” (dir. Shawara Maxakali, Charles Bicalho) também precisa ser assistido, trata-se de uma animação que conta a história de uma lenda tradicional do povo Maxacali e suas ilustrações foram fruto de uma oficina em Aldeia Verde, no município de Ladainha, em Minas Gerais.

 

O décimo primeiro Cinefantasy acontece até o dia 29 de abril e você pode assistir a estes curtas na plataforma Petra Belas Artes À La Carte: https://www.belasartesalacarte.com.br/?_ga=2.4184627.2058356738.1619457304-387941430.1619457304.

 


ATOR SILVERO PEREIRA SERÁ O APRESENTADOR DA CERIMÔNIA DE PREMIAÇÃO DO 11º CINEFANTASY

O ator Silvero Pereira vai apresentar a cerimônia de premiação do 11º CINEFANTASY – Festival Internacional de Cinema Fantástico, que acontece no dia 01 de Maio, sábado, às 19h, nas redes sociais do festival.O evento conta com 15 mostras competitivas, sendo 2 mostras de longas-metragens, documentário e ficção, e 13 mostras de curtas-metragens, divididas pelos…


POE – Obscura

Em 01 de Abril de 1964 o Brasil tomou um golpe. Muitos dizem que foi um golpe militar, outros gostam de atribuir também a participação da sociedade nisso, aí chamam o que sucedeu de “ditadura civil-militar”. É importante compreender o sentido e significado de como as coisas e os eventos históricos são chamados, normalmente isso…


Cinefantasy 11 – Mostra Horror

Uma das mostras do Cinefantasy que fiz questão de conferir foi a de curtas de horror, como não é novidade para ninguém é o gênero que consumo, pesquiso e respiro, por isso festivais de cinema de gênero são sempre uma oportunidade para conhecer novas abordagens de antigos temas que circundam a produção de um gênero mundialmente. Inclusive, foi o que pude notar desta mostra em específico, ela abrange diversas criaturas que já são presença marcada em filmes de terror de todos os tipos, orçamentos e nacionalidades, mas, na maioria dos casos, os curtas adaptam para o período em que vivemos, a sociedade em que a direção e roteirista se inserem ou questões sociais que são pauta dos tempos contemporâneos.

 

A diversidade da mostra é um de seus pontos fortes, pois nela temos filmes dos EUA, Holanda, Argentina, República Tcheca, França, Nova Zelândia e Brasil. Dentre essa mistura de nações há a presença de vampiros, lobisomens, criança psicopata, alienígena invasor de corpos, psicopatas oníricos, fantasmas e um monstro totalmente novo que flerta com os elementos do body horror e o filme de herói. Para incrementar essa mistura acrescente temas sociais e políticos extremamente relevantes e que conseguem ser potentes quando bem utilizados no cinema fantástico como a misoginia e abusos familiares, outros mais subjetivos como a tensão pré procedimentos cirúrgicos.

 

 

Entretanto, o tema que mais recorrente da mostra são os relacionados à gênero e o machismo que as mulheres enfrentam em diversos setores da sociedade, como abusos no metrô, assédio sexual e moral em locais onde há mais homens e também descrédito profissional pelo gênero. É uma mostra que atinge o grande potencial do cinema, principalmente o fantástico, de discutir e escancarar através de imagens a sociedade cheia de buracos em que vivemos, e nada mais agressivo que usar o horror como dispositivo de denúncia.

 

Gostaria de recomendar os meus preferidos e tecer um breve comentário sobre cada um. Começando por “Snake Dick” (dir. David Mahmoudieh), ele é um dos filmes que aborda o machismo ao apresentar duas mulheres que são assediadas em um posto à beira de estrada que pararam após o carro quebrar, entretanto, antes que o assédio se torne físico, ambas ameaçam os seus assediadores, primeiro com armas de fogo e depois com poderes sobrenaturais que as duas possuem. O que me fez gostar deste curta são os diálogos e como a personagem principal ameaça um dos homens que está importunando ela, o medo que ele sente reflete a covardia desse tipo de homem. “O Matar de uma Criança” (dir. Kim Kokosky Deforchaux) é o segundo filme que eu gostaria de indicar, é um filme denso com imagens lindíssimas, os personagens principal não falam uma palavra mas a expressão em seus semblantes é o suficiente para construirmos uma narrativa bastante infantil e com alguma ternura, mas que termina deprimente. Por último, “Minimamente Invasivo” (dir. Adam Harvey) é um curta que mistura o horror e a comédia brilhantemente, um paciente dopado antes de uma cirurgia começa a perceber uma movimentação estranha dos médicos que estão o operando, e todo este processo é engraçado ao mesmo tempo que é horroroso, vale a pena conferir, um filme com uma ideia genial. “Caninos” (Abel Danan) e “Juntos” (dir. Neal Dhand) são dois filmes que abordam relações familiares utilizando vampiros que também são bastante instigantes.

 

O décimo primeiro Cinefantasy acontece até o dia 29 de abril e você pode assistir a estes curtas na plataforma Petra Belas Artes À La Carte: https://www.belasartesalacarte.com.br/?_ga=2.4184627.2058356738.1619457304-387941430.1619457304.


Cinefantasy 11 – Mostra de Curtas Amador

Uma das maiores importâncias dos festivais de cinema é o espaço que eles proporcionam para a exibição de filmes que jamais seriam vistos no circuito comercial. Tal característica abre portas para novos realizadores exibirem seus projetos e outros que mesmo fazendo filmes regularmente continuam independentes de grandes produtoras. Ou seja, há uma função social importantíssima no festival de cinema que é a democratização do acesso à cultura, tanto dando oportunidades para novas pessoas se aventurarem com realização quanto para os espectadores que podem assistir a filmes de diversos estilos, que jamais veriam em multiplexes, com temáticas variadas, e em muitos casos politicamente relevantes, por valores simbólicos e acessíveis.

 

Com isso em mente, o festival Cinefantasy em sua décima primeira edição diversificou ainda mais as mostras de longas e curtas, criando novas categorias (de cinema fantástico), e uma delas ressalta a importância do festival como uma oportunidade para novos realizadores, que é a mostra amadora de curtas. É muito comum quando se faz filmes, sentir insegurança de mostrar o filme para as pessoas e enviar para festivais, sempre há a impressão de que o que fazemos não é o suficiente e acreditar que a grama do vizinho sempre é mais verde, ainda mais quando estamos começando a filmar e fazemos os primeiros curtas com quase nada de recursos, sobrando apenas a criatividade como combustível para a construção de um roteiro que terminará em uma produção independente. Por isso a importância de uma mostra que prestigia o cinema amador, ao termos essa opção, há uma segurança de que podemos enviar para um grande festival e que talvez o filme seja exibido com grandes chances de despontar novos nomes e talentos para futuras obras.

 

“Cinema Amador” não é um termo pejorativo, pelo contrário ele significa exatamente o que seu próprio nome diz, são filmes de novos realizadores que possuem, na maioria dos casos, ideias muito criativas, algum conhecimento sobre como fazer um filme e uma vontade de se expressar através da linguagem cinematográfica, mas precisam começar de algum jeito e em diversos casos temos filmes muito fora do convencional estético estabelecido pela grande indústria, mas que possuem conteúdos únicos e visões de mundo singulares.

 

 

O que afirmo acima é exatamente o que reflete a seleção de filmes desta mostra, que teve curadoria feita pelo nosso queridíssimo host deste podcast e criador do site Euller Félix. São treze filmes no total, bem diversificados e com escolhas narrativas e estéticas diferentes entre si. Pude notar uma recorrência de filmes que se baseiam em um cinema mais ensaístico e subjetivo, acredito que seja pelos tempos de isolamento e pandemia em que vivemos, mas também por ser uma maneira de se expressar através do cinema que não requer equipes muito grandes e muito dinheiro para a sua realização, tendo uma carga mais intimista, mas que não deixam de ter mensagens fortes e serem filmes bastante potentes, é uma questão maior de sentir e tentar entender o que o autor ou a autora quis transmitir de si mesma do que se aventurar em uma história pautada por um gênero cinematográfico e suas fórmulas.

 

Há também filmes narrativos e a parte mais divertida de se assistir a uma mostra de filmes amadores é tentar perceber quais foram as alternativas adotadas por seus realizadores para driblar o baixo orçamento de seus filmes e o quão criativo seriam as propostas estéticas para que houvesse esse drible. Esta mostra não decepciona quanto a isso pois, alguns filmes recorrem à técnicas do cinema silencioso e sem cores, outros ao cinema experimental com o uso de imagens estáticas e sobreposição de efeitos com voice over. Enfim, é divertidíssimo e encantador acompanhar o esforço que estes cineastas tiveram ao fazer esses filmes, e fico, pessoalmente, muito feliz de haver essa mostra no Cinefantasy, pois, como possuo um lado realizador, consigo me identificar com esses esforços do audiovisual independente, não posso deixar de parabenizar ao Cinefantasy por essa preocupação com o cinema amador, que tem esse nome por causa do que expliquei anteriormente, mas que não deixa a desejar em nada, já que, é possível analisar o quão competente é o nosso circuito de cineastas independentes.

 

Para finalizar gostaria de recomendar os meus favoritos da mostra para que vocês assistam. Começando por “À Beira do Gatilho” (dir. Lucas Martins), um dos filmes que investem no cinema de gênero, neste caso o filme policial, e cria uma atmosfera instigante com uma narrativa bastante atrativa. “Assolado” (dir. Renan de Andrade), um dos filmes que comentei que se insere na estética do filme ensaio, tem uma mensagem dura porém verdadeira do período de pandemia em que vivemos aqui no Brasil. “Néctar” (dir. Renato Yuji), flerta com o experimental e conduz uma narrativa com imagens muito criativas e diversas técnicas com imagens estáticas, filtros e uma fotografia que esbanja ternura, não deixando de contar uma história bastante pautada no folclore com um fundo de tristeza. Por fim, “O Grito das Sombras” (dir. Caroline Bertelli) é uma ode ao primeiro cinema e tem uma das atrizes mais fofas de todo o festival que é a senhora que interpreta a bruxa, o filme conta com elementos do horror, do cinema silencioso e também uma estética de filme caseiro que é transmitida pelos ambientes familiares.

 

O décimo primeiro Cinefantasy acontece até o dia 29 de abril e você pode assistir a estes curtas na plataforma Petra Belas Artes À La Carte: https://www.belasartesalacarte.com.br/?_ga=2.4184627.2058356738.1619457304-387941430.1619457304.


Post Mortem

A fotografia pós-morte foi um prática desenvolvida no fim do século XIX entre as pessoas com condições financeiras mais difíceis. Esta foi uma forma mais barata para registrar lembranças dos entes queridos mortos, principalmente crianças. Fotografar pessoas falecidas é o trabalho de Tomás, protagonista de “Post Mortem”, filme de terror húngaro dirigido por Péter Bergendy. Na trama, o fotógrafo vai a uma comunidade rural na Hungria para entender os motivos que o fizeram enxergar a pequena Anna numa situação de quase morte. No local, o homem e a menina investigam o que fazer para afastar fantasmas que assombram os moradores após a Primeira Guerra Mundial.

Não por coincidência a narrativa se inicia em 1918, ano do término da Primeira Grande Guerra, e num campo de batalha. Posicionar a produção nesse contexto ajuda a desenvolver a ideia de que a própria história pode desencadear o horror, criando períodos em que a morte se torna praticamente uma parte do cotidiano. Assim, Tomás vive rodeado pela morte em vários sentidos: primeiramente, ele era um soldado alemão na Tríplice Aliança vendo colegas serem assassinados em explosões e ele próprio sendo vítima de ataques inimigos (por sorte, é salvo por um velho combatente que percebe que ele ainda está vivo); em seguida, terminado o conflito, fotografa pessoas mortas e cede sua história de sobrevivência ao velho homem para dramatizar-la em excursões pelas aldeias por onde passam. Nas duas fases da sua vida, Tomás se depara com a morte, seja quando se vê cercado pelos corpos de companheiros mortos, seja quando começa a se sustentar com as fotografias pós-morte.

Ir ao vilarejo de Anna apresenta ao personagem central outro acontecimento da época que aumentou drasticamente o número de mortes. As primeiras décadas do século XX também foram marcadas pela pandemia da gripe espanhola, que se alastrou por diferentes países em função do estado da medicina e das condições insalubres geradas pela Primeira Guerra Mundial. Considerando-se o contexto atual do coronavírus, ambientar a história em outra crise sanitária impacta e entrelaça dois períodos históricos com aspectos em comum. A experiência cinematográfica se acentua quando vemos que os personagens da comunidade não podem enterrar seus mortos e nem realizar os rituais apropriados por conta do inverno rigoroso, responsável por congelar as terras do lugar – o fato se articula ao momento atual em que as pessoas mal podem se despedir dos entes queridos.

Como o clima é adverso, os mortos precisam ser deixados em um espaço específico do vilarejo ainda próximo do cotidiano dos moradores. Isso colabora para a criação de um cenário desolador e melancólico, no qual as cores foram drenadas e a natureza também parece sem vida (algo semelhante aos cenários opressivos e com um pano de fundo histórico de “A Fita Branca“). Além disso, a área transborda uma sensação de estranheza em detalhes que a câmera enquadra como se fossem banais: uma criança com uma sacola na cabeça, a mala de Tomás afundando no terreno encharcado e um cão levantado do chão por alguma força invisível. Enquanto isso, o protagonista fotografa os mortos do local sem notar fenômenos sobrenaturais ao seu redor, como movimentos abruptos dos corpos mortos, sons ameaçadores de sua casa e aparições de espectros pelos cantos.

Tomás e Anna passam a conviver mais diretamente quando investigam as razões para a assombração dos fantasmas e as soluções para afastar essas ameaças. Percorrendo a região, os dois personagens conversam com os moradores e tomam contato com os familiares mortos, todos eles vítimas da Primeira Guerra Mundial ou da gripe espanhola. Em cada relato, torna-se mais evidente que a impossibilidade de preparar os mortos para seguir adiante desencadeou o mal que recai sobre aquelas pessoas. Levando em conta novamente a época, os temores e as dificuldades humanas de lidar com a morte também se associam a um tempo em que ganhavam força as discussões científicas e místicas sobre o fim da vida e a vida após a morte.

Enquanto o início do segundo ato dialoga com as tramas de terror construídas em torno de casas mal-assombradas, o decorrer da narrativa se assume dentro do subgênero de possessão ao indicar que os mortos e moribundos atraem fantasmas. A partir daí, o filme oferece bons momentos de tensão com jump scares eficientes e imagens impactantes o bastante para gerar choque – por exemplo, nas sequências em que uma senhora é violentamente atacada, Tomás e Anna são possuídos e o clímax se desenvolve ao redor de uma casa e de uma igreja. É interessante também como o diretor Péter Bergendy faz a tensão e as imagens angustiantes evoluírem, sendo auxiliado por uma trilha sonora opressiva e por ruídos enigmáticos no extracampo.

Por outro lado, “Post Mortem” tem alguns aspectos mais frágeis que não se sustentam como o componente histórico da narrativa. Em determinado momento, a resolução do clímax ocorre apressadamente, fazendo com que a revelação da mitologia daquele universo seja exposta sem tanto cuidado e sem valorizar algumas imagens de grande potencial. Mesmo que a sugestão do roteiro de que Tomás e Anna teriam uma interação espiritual, a dinâmica entre eles ao final retoma o maior mérito da obra: mostrar que em tempos nos quais a morte invade e toma conta do cotidiano, episódios e períodos históricos podem ser fontes para o terror.


Ravina

Nas programações de festivais como o CineFantasy, alguns filmes já chegam com expectativas por conta da presença de certos nomes na equipe de produção. “Ravina”, por exemplo, entrou nessa condição por ser o longa de estreia de Balázs Krasznahorkai, assistente de direção do premiado “O Filho de Saul”. Na trama, Bailant é um obstetra húngaro…


Voltei!

Momentos de crise e limitações costumam impulsionar a arte a se reinventar com criatividade. Longe de querer idealizar as dificuldades, a ideia de que os realizadores podem encontrar soluções inventivas pode confirmar um papel de crítica social e uma capacidade de superar obstáculos de produção. Esses aspectos recobrem “Voltei!”, uma distopia que imagina o Brasil…


Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror

Ao longo de sua vida, você sempre se sentiu representado no cinema? Se a resposta for afirmativa, pode ser interessante refletir se essa não seria uma condição privilegiada. Isso porque a população negra lida com as dificuldades de não se ver em tela de forma respeitosa e significativa. Essa questão levou a pesquisadora Robin R. Means Coleman a estudar o tema sob a perspectiva do cinema de terror. O estudo da autora proporcionou a publicação do livro “Horror Noire” em 2011, que serviu de base para a realização do documentário homônimo em 2019.

Sob a direção de Xavier Burgin, o filme de abertura do CineFantasy de 2021 percorre diferentes períodos da história para analisar e discutir diversas representações das pessoas negras no cinema de terror nos EUA. A narrativa parte do impacto de “Corra” de Jordan Peele, exemplificado pela força de sua história e pela premiação de roteiro original no Oscar de 2018, e retorna ao passado para examinar a trajetória do tema desde as origens do cinema. Essas análises são movidas pelos relatos, impressões, experiências e emoções de realizadores e realizadoras negros e negras, como Keith David, Rachel True, Tony Todd, Paula Jai Parker, Ken Foree, Jordan Peele, Loretta Devine e Ashlee Blackwell, além da própria Robin Coleman.

Como o cenário nem sempre foi tão favorável como em “Corra”, o documentário retorna aos anos 1990 para traçar uma sequência linear a respeito das pessoas negras à frente e atrás das telas. Para isso, a narrativa situa contextos históricos que contribuíram para uma representação depreciativa e estereotipada da população negra, começando em 1915 por “O Nascimento de uma Nação” que vilaniza os personagens negros e celebrava a Ku Klux Klan. A obra de D. W. Griffith não seria tradicionalmente considerada de terror, mas para o povo negro é uma demonstração do horror que se materializou na sociedade norte-americana com o recrudescimento da violência dessa organização racista. Em outros momentos da história, o diretor nos apresenta através de arquivos de época e registros jornalísticos, outros fatos políticos que influenciaram as artes, como os assassinatos de Martin L. King e Malcolm X, a violência policial e manifestações de supremacistas brancos.

Aproveitando-se da ligação entre política, sociedade e arte, o filme também percorre diferentes representações problemáticas nesse gênero a partir de imagens e exemplos significativos. Vemos estereótipos e preconceitos, dentre eles o homem negro que deseja obsessivamente mulheres brancas; monstros e alienígenas construídos como símbolos para a população negra; a mulher negra altamente sexualizada e objetificada; as primeiras vítimas de assassinos em filmes slasher; a caracterização do fiel serviçal ou da figura de sacrifício para um personagem branco sobreviver; o alívio cômico de expressões exageradas e olhos saltados; as sacerdotisas praticantes de vodu como uma religião maligna, entre outros. As conclusões da autora ganham ainda mais força quando podem ser visualizadas por trechos de obras como “King Kong”, “O Iluminado” e “Sexta-feira 13” – em cada caso, a narrativa mostra como homens negros e mulheres negras não tinham suas próprias histórias independentes nessas obras.

Em compensação, podemos ver também momentos e produções do gênero que buscam representações fora dessas questões problemáticas, apesar de ainda poderem receber críticas. Foi assim com os trabalhos de realizadores como Spencer Williams, Laura Bowman e Earl Morris, por exemplo; a importância do protagonista negro em “A Noite dos Mortos-Vivos” em 1968; o movimento Blaxploitation na década de 1970 com a presença maior de homens negros e mulheres negras em diferentes setores artísticos; o resgate do protagonismo nos anos 1990 com “Candyman”; e o mergulho explícito em questões sociais contemporâneas à transição para os anos 2000. Ao invés de abordarem acriticamente cada título, os artistas e Robin Coleman problematizam, por exemplo, os estereótipos novos de cafetina e cafetão surgidos no Blaxplotation e a perseguição de uma mulher branca por um homem negro em “Candyman”.

Apesar das problematizações e eventuais críticas, também necessárias para debates artísticos e sociais, os filmes com uma representação mais complexa impactam afetivamente os homens e as mulheres que se expressam com seus relatos de experiência. Em alguns momentos, inclusive, é enriquecedor ver Tony Todd falar de “Candyman”, Rachel True comentar “Jovens Bruxas” e outros artistas analisarem seus próprios trabalhos ou de colegas. Dividir as sensações de assistir a narrativas que destacam, invisibilizam ou desqualificam são essenciais para apresentar a importância da representatividade, empatia e da diversidade cultural e social – assim, é extremamente significativo ouvir as falas de tantas pessoas que demonstram o poder de histórias em que homens negros e mulheres negras podem ser heróis e não se resumem a estereótipos ou clichês.

Nesse sentido, filmar os relatos dos artistas e da pesquisadora numa sala de cinema é bastante expressivo da proposta do documentário: como o cinema de terror alcança ou não as pessoas negras nas suas representações ou em suas ausências. Além disso, a ambientação na sala de exibição e as falas de cada pessoa abordam três pilares vitais para produções artísticas representativas e portadoras de olhares sensíveis: a presença das pessoas negras nos filmes de terror, a representação cuidadosa das pessoas negras nos filmes de terror e a possibilidade real de criação das pessoas negras para os filmes de terror.

Partindo de “Corra” no contexto atual para explorar outras décadas da história do cinema, o documentário retoma ao final da narrativa a atualidade e olha para o futuro. Chegamos enfim a um cenário no qual não se sustentam mais representações preconceituosas e se estabeleceram de vez discussões raciais com grande força. E nesse novo panorama, “Horror Noire” em suas versões literária e cinematográfica é um documento histórico fundamental para repensarmos o valor social da arte e sua importância para transformações nas mentalidades e relações políticas.