A Visita é um filme dirigido por M. Night Shyamalan, lançado em 2015 que conta a história dos irmãos Becca e Tyler que são chamados pelos avós distantes para passarem uma semana com eles e finalmente conhecerem os netos. O filme se encaixa no subgênero que toma como estética visual o found footage, como se a história se tratasse de um documentário, gravações caseiras encontradas e etc. Subgênero do qual ficou famoso pela explosão do filme a Bruxa de Blair, influenciando diversos outros filmes do gênero horror que vieram a seguir com a sua fórmula de filmes encontrados.

Uma característica importante para a realização de um filme found footage é que a ação é guiada pelos personagens que carregam as câmeras de vídeo por todo o filme, ou seja o diretor revela o dispositivo câmera, item que é escondido pelos filmes que fazem parte de um cinema clássico e tem como objetivo manter a naturalidade da narrativa escondendo o dispositivo câmera dos olhos dos espectadores para manter a platéia nos trilhos da obra, sem quebrar a diegese fílmica. Entretanto neste caso, sabemos que há uma câmera registrando tudo o que é mostrado, mas por ainda se tratar de uma ficção, no found footage, o realizador precisa de uma boa “desculpa” para que o espectador se conecte com a história e aceite que os personagens levem a câmera para todos os lados, escondendo o motivo principal: a câmera precisa estar com os personagens pelo simples motivo de que sem ela o filme não existe, para assim manter a diegese do filme. Essa “desculpa” é o primeiro acerto do filme, Becca é uma aspirante a cineasta e quer aproveitar o final de semana com os ainda não conhecidos avós e fazer um documentário pessoal sobre a visita a fim de resolver problemas mal resolvidos entre sua mãe e seus avós, que durante a narrativa se revela que é um motivo ainda mais nobre.

Até aí esta “desculpa” não é nenhuma novidade, Bruxa de Blair mesmo é sobre um grupo de jovens fazendo um documentário a procura de uma famosa bruxa, mas a inovação não está na ideia e sim na forma como ela é trazida ao filme, a estética e o documentário de Becca não servem apenas como um fio condutor da narrativa e sim como parte integrante de todo o enredo personificado pelo próprio Shyamalan por trás da personagem Becca. Ela age como a diretora do filme e ele é todo montado em função dela, compõe os enquadramentos em cena, ficando bonitos propositalmente pois ela é uma garota que estuda cinema, dirige o irmão para que ele aja mais naturalmente enquanto realiza ações banais como desfazer as malas, já que o documentário segundo ela precisa ser crível para os espectadores, eles discutem misé-en-scene, ética do cinema e Becca ainda realiza exercícios de direção de atores com os avós e o irmão para melhorar o resultado das entrevistas que ela precisa para alcançar seus objetivos com o filme. Enquanto ela age como diretora, aparece em vários momentos editando o filme pelo computador, pensando na trilha, o irmão, Tyler, serve como um assistente de direção, manuseando a segunda câmera do filme, ele aprende com a irmã o básico de captação de imagens e é responsável pelos momentos descontraídos do filme. Com todos esses elementos sendo expostos o diretor consegue discutir cinema e o pensamento cinematográfico sem estragar o processo de apreciação do filme, pois é tudo muito natural, inclusive, talvez, a grande mensagem do filme seja como o cinema e as imagens podem ser tão poderosas a ponto de curar feridas emocionais muito profundas.

 

 

Para a realização de um filme como esse, grande parte da responsabilidade, se não toda, está na mão dos atores, pois para mantermos a já citada diegese com o dispositivo câmera totalmente exposto precisamos de atuações extremamente naturais, pelo menos por parte dos dois irmãos que regem a narrativa, o que eles fazem muito bem, pois em nenhum momento o espectador desconfia da capacidade dos atores e nada parece atuado ou forçado. O diretor consegue extrair todo o potencial dos dois jovens atores em momentos de planos longos e câmera parada com zooms poderosos, onde eles têm apenas a lente das câmeras para contracenar, e diga-se de passagem os momentos das entrevistas são onde eles se destacam, a atriz Olivia DeJonge, Becca, é o grande destaque já que a personagem além de dirigir e conduzir toda a narrativa, ainda precisa demonstrar muito sutilmente a tristeza e melancolia que afeta a personagem, por conta do abandono do pai quando era pequena, que precisa ser forte pelo irmão e pela mãe. Ela protagoniza uma das sequências mais bonitas e singelas do filme, em um desses momentos de câmera parada em que o ator está inerte enfrentando o olhar invasor das lentes, Tyler questiona o porquê da irmã não conseguir se olhar no espelho e se vê apenas pelas lentes da câmera, a construção do plano se transforma em um registro muito íntimo da personagem que está totalmente exposta. Ela com poucas palavras e um jogo de olhares consegue expressar muito bem o sentimento que acomete a personagem através de uma frustração muito grande, proveniente de uma insegurança que ela havia guardado e trancado a sete chaves. O ator Ed Oxenbould, também não fica atrás, em seu momento de intimidade com a câmera, ele se revela contando sobre a última história que teve com o pai e traz consigo um sentimento infantil de culpa por parte dele pelo abandono.

 

 

Esse clima de melancolia e tristeza permeia toda a narrativa e faz parte do grande “tema” do enredo, apesar da situação de horror que comentarei mais à frente, o filme comenta sobre esses pequenos rituais e feridas que grandes traumas podem trazer à quem sofre e eles ficam escondidos, quase não notados cotidianamente, mas, novamente, o bom uso da estética found footage do filme mostra que eles não ficam escondidos diante dos olhos das lentes. Tyler tem medo de germes depois que o pai foi embora e está constantemente se limpando, Becca não se olha no espelho e evita falar do pai, a mãe parece sempre ansiosa quando fala com os filhos via skype e sempre acaba dizendo coisas na “brincadeira” como por exemplo que nunca vai ser feliz, os avós estão sempre agindo estranho e evitam falar da filha ou de qualquer coisa do passado, ou então sobre as suas fragilidades expostas pelos netos através das filmagens. O diretor introduz neste drama, além do horror, um humor como um chiste no filme, assim como seus personagens o fazem para esconderem suas feridas. Todos estes elementos narrativos conseguem dar certo porque todos esses sentimentos, inclusive o humor, são inerentes aos personagens, graças a um roteiro minuciosamente fechado sem pontas soltas, com tudo que é mostrado tendo propósito somado a uma química clara entre os atores, os irmãos parecem irmãos com brincadeiras e provocações, a mãe deles claramente os ama e os avós possuem segredos e mistérios que vão aos poucos sendo mostrados.

 

 

Apesar de ter citado muitos elementos dramáticos e exacerbado a estética do found footage, A Visita se trata de um filme de horror, com o uso excelente das ferramentas que o gênero propõe e que foram aprimoradas desde sua gênese, é onde Shyamalan acerta, pois ele não traz uma grande inovação em ferramentas, contudo demonstra um uso muito consciente delas, denotando que ele estava seguro ao fazer o filme. O naturalismo que o found footage propõe é aos poucos invadido por uma sensação de insegurança e apreensão por parte das ações pouco convencionais que os avós de Becca e Tyler apresentam com o passar dos dias. Através da figura dos idosos o diretor faz o uso das fragilidades que a idade pode trazer ao ser humano, elemento que por si só já ativa aquela ansiedade bem profunda que todos nós temos sobre o envelhecer, fragilizar-se e eventualmente falecer, para aos poucos causar o estranhamento nos personagens principais e por consequência na platéia. Mesmo com 94 minutos de filme, ele consegue trazer uma crescente lenta e bem acertada, que contribui para nossa ansiedade de o que está acontecendo, e se apóia justamente na fragilidade que um idoso pode ter, que em primeiro momento não coloca Becca e Tyler em uma sensação de perigo, pois tudo é justificável com explicações plausíveis tanto de Nana e Pop Pop, sobre estarem velhos e as vezes esquecerem as coisas, ou Nana andar a noite pela casa vomitando, arranhando as paredes da casa nua ou correndo pelos cômodos. Tudo isso é usado em tempo certo para contribuir na progressão do medo e da já citada sensação de insegurança, que só aumenta por vir justamente da própria família, que tem como ápice, após várias sequências bem planejadas como o sufocante esconde esconde nas fundações da casa, o final do filme, que como a tradição do cinema de Shyamalan demanda tem uma grande revelação.

 

 

 

A Visita é um filme com uma narrativa densa, que fala sobre família, rancor, amor e perdão. Todos os personagens no filme procuram curar feridas internas e como todo bom filme de horror a busca dos personagens é atingida após uma experiência exagerada, violenta e traumática. Com um roteiro bastante fechado é um dos grandes filmes do Shyamalan e, agora eu devo me revelar perdendo a neutralidade, um dos melhores found footage que vi, com momentos extremamente pessoais aliados à atuações que podem tirar algumas lágrimas como a cena final ou então sequências extremamente perturbadoras como os planos noturnos e toda a parte final do filme que é bastante forte. Shyamalan, mesmo como um filme denso, finaliza a narrativa de forma bastante inocente e positiva, o que pessoalmente acho necessário e justo, pois finais tristes e amargos são bons, mas às vezes precisamos ter um pouquinho de otimismo e esperança ao assistir um filme, crescermos e compartilharmos as dores junto dos personagens, uma mensagem importante que o filme trás é nunca guardar rancor, pois ele pode fazer mais mal pra si do que para quem ele é dirigido, isso fica bem claro com as imagens e narrativa poderosa que foram propostas pelo diretor e brilhantemente executadas pela equipe.