Categoria: <span>Criticas</span>

Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror

Ao longo de sua vida, você sempre se sentiu representado no cinema? Se a resposta for afirmativa, pode ser interessante refletir se essa não seria uma condição privilegiada. Isso porque a população negra lida com as dificuldades de não se ver em tela de forma respeitosa e significativa. Essa questão levou a pesquisadora Robin R. Means Coleman a estudar o tema sob a perspectiva do cinema de terror. O estudo da autora proporcionou a publicação do livro “Horror Noire” em 2011, que serviu de base para a realização do documentário homônimo em 2019.

Sob a direção de Xavier Burgin, o filme de abertura do CineFantasy de 2021 percorre diferentes períodos da história para analisar e discutir diversas representações das pessoas negras no cinema de terror nos EUA. A narrativa parte do impacto de “Corra” de Jordan Peele, exemplificado pela força de sua história e pela premiação de roteiro original no Oscar de 2018, e retorna ao passado para examinar a trajetória do tema desde as origens do cinema. Essas análises são movidas pelos relatos, impressões, experiências e emoções de realizadores e realizadoras negros e negras, como Keith David, Rachel True, Tony Todd, Paula Jai Parker, Ken Foree, Jordan Peele, Loretta Devine e Ashlee Blackwell, além da própria Robin Coleman.

Como o cenário nem sempre foi tão favorável como em “Corra”, o documentário retorna aos anos 1990 para traçar uma sequência linear a respeito das pessoas negras à frente e atrás das telas. Para isso, a narrativa situa contextos históricos que contribuíram para uma representação depreciativa e estereotipada da população negra, começando em 1915 por “O Nascimento de uma Nação” que vilaniza os personagens negros e celebrava a Ku Klux Klan. A obra de D. W. Griffith não seria tradicionalmente considerada de terror, mas para o povo negro é uma demonstração do horror que se materializou na sociedade norte-americana com o recrudescimento da violência dessa organização racista. Em outros momentos da história, o diretor nos apresenta através de arquivos de época e registros jornalísticos, outros fatos políticos que influenciaram as artes, como os assassinatos de Martin L. King e Malcolm X, a violência policial e manifestações de supremacistas brancos.

Aproveitando-se da ligação entre política, sociedade e arte, o filme também percorre diferentes representações problemáticas nesse gênero a partir de imagens e exemplos significativos. Vemos estereótipos e preconceitos, dentre eles o homem negro que deseja obsessivamente mulheres brancas; monstros e alienígenas construídos como símbolos para a população negra; a mulher negra altamente sexualizada e objetificada; as primeiras vítimas de assassinos em filmes slasher; a caracterização do fiel serviçal ou da figura de sacrifício para um personagem branco sobreviver; o alívio cômico de expressões exageradas e olhos saltados; as sacerdotisas praticantes de vodu como uma religião maligna, entre outros. As conclusões da autora ganham ainda mais força quando podem ser visualizadas por trechos de obras como “King Kong”, “O Iluminado” e “Sexta-feira 13” – em cada caso, a narrativa mostra como homens negros e mulheres negras não tinham suas próprias histórias independentes nessas obras.

Em compensação, podemos ver também momentos e produções do gênero que buscam representações fora dessas questões problemáticas, apesar de ainda poderem receber críticas. Foi assim com os trabalhos de realizadores como Spencer Williams, Laura Bowman e Earl Morris, por exemplo; a importância do protagonista negro em “A Noite dos Mortos-Vivos” em 1968; o movimento Blaxploitation na década de 1970 com a presença maior de homens negros e mulheres negras em diferentes setores artísticos; o resgate do protagonismo nos anos 1990 com “Candyman”; e o mergulho explícito em questões sociais contemporâneas à transição para os anos 2000. Ao invés de abordarem acriticamente cada título, os artistas e Robin Coleman problematizam, por exemplo, os estereótipos novos de cafetina e cafetão surgidos no Blaxplotation e a perseguição de uma mulher branca por um homem negro em “Candyman”.

Apesar das problematizações e eventuais críticas, também necessárias para debates artísticos e sociais, os filmes com uma representação mais complexa impactam afetivamente os homens e as mulheres que se expressam com seus relatos de experiência. Em alguns momentos, inclusive, é enriquecedor ver Tony Todd falar de “Candyman”, Rachel True comentar “Jovens Bruxas” e outros artistas analisarem seus próprios trabalhos ou de colegas. Dividir as sensações de assistir a narrativas que destacam, invisibilizam ou desqualificam são essenciais para apresentar a importância da representatividade, empatia e da diversidade cultural e social – assim, é extremamente significativo ouvir as falas de tantas pessoas que demonstram o poder de histórias em que homens negros e mulheres negras podem ser heróis e não se resumem a estereótipos ou clichês.

Nesse sentido, filmar os relatos dos artistas e da pesquisadora numa sala de cinema é bastante expressivo da proposta do documentário: como o cinema de terror alcança ou não as pessoas negras nas suas representações ou em suas ausências. Além disso, a ambientação na sala de exibição e as falas de cada pessoa abordam três pilares vitais para produções artísticas representativas e portadoras de olhares sensíveis: a presença das pessoas negras nos filmes de terror, a representação cuidadosa das pessoas negras nos filmes de terror e a possibilidade real de criação das pessoas negras para os filmes de terror.

Partindo de “Corra” no contexto atual para explorar outras décadas da história do cinema, o documentário retoma ao final da narrativa a atualidade e olha para o futuro. Chegamos enfim a um cenário no qual não se sustentam mais representações preconceituosas e se estabeleceram de vez discussões raciais com grande força. E nesse novo panorama, “Horror Noire” em suas versões literária e cinematográfica é um documento histórico fundamental para repensarmos o valor social da arte e sua importância para transformações nas mentalidades e relações políticas.


Fuja

Chegou recentemente ao catálogo de streaming da Netflix o filme “Fuja” (Run), que foi bem elogiado e recebido pelo público em geral, mas principalmente aqueles que já gostam de cinema de horror. Um resumo do enredo do filme: Chloe (Kiera Allen) é uma adolescente que sofre com diversas doenças, dentre elas a paralisia que a…


Bela Vingança

Em um diálogo de “Bela Vingança”, na última parte do filme, um personagem diz que um dos maiores medos de um homem é ser atrelado a uma acusação de assédio. Cassandra, protagonista do filme, pergunta se ele sabe qual é o maior medo de uma mulher. Esse pequeno diálogo, de quatro frases, mais ou menos,…


Todos os meus amigos estão mortos

Todos nós nos vemos perdidos no emaranhado de filmes e séries que estão disponíveis nos diversos serviços de streaming. Dentro desse imenso mar de filmes muitas vezes nos vemos perdidos e em alguns casos passamos mais tempo procurando o que assistir do que de fato assistindo. Foi em uma dessas aventuras que eu me deparei…


Becky

É muito difícil olhar para o Kevin James e enxergar nele um vilão. Isso foi resolvido de uma forma bem simples em “Becky”, filme que chegou ao Telecine Play nessa semana, fizeram com que ele fosse um personagem nazista com uma tatuagem de suástica bem na cabeça. A história se parece com as clássicas de…


Dente por Dente

Existe uma lenda (podemos chamar assim?) na cultura popular de que quando sonhamos que estamos perdendo algum dente significa que alguém próximo de nós irá morrer. Desde que ouvi isso lá pelos meus 7 ou 8 anos, até os dias de hoje sempre que tenho esses sonhos eu fico desesperado. “Dente por Dente” o novo…


Vozes – novo terror espanhol da Netflix

A Netflix tem surpreendido cada vez mais com suas produções de terror em espanhol e vem aumentando seu catálogo do gênero nesse idioma. Após o polêmico “O Poço“, no final de 2020 somos convidados a participar do dramático terror “Vozes” (Voces, 2020), dirigido pelo espanhol Ángel Gómez Hernández, que chegou ao streaming brasileiro dia 27/11. A…


As Núpcias de Drácula

O romance “Drácula” de Bram Stoker já foi adaptado para as telas diversas vezes, em 1922 quando o cinema ainda era mudo foi dirigido por Murnau o filme “Nosferatu” que teve esse nome para que não precisasse pagar pelo uso do romance de Stoker. Em 1931 foi feito o filme de Monstros da Universal “Drácula”…


Rebecca, A Mulher Inesquecível e o remake irrelevante

No episódio 61 do Necronomiconversa, onde falamos do filme Rebecca, a Mulher Inesquecível, dirigido por ninguém mais que Alfred Hitchcock, eu fiz algumas previsões negativas quanto ao remake de Rebecca, e comentei que não estava nem um pouco animado para o filme. Ainda no episódio, prometi que faria a crítica do filme no site, assim que ele saísse, muito que bem, como promessa é dívida aqui estou para falar do remake de Rebecca, um dos meus filmes preferidos do Hitchcock, agora com uma nova roupagem dirigida por Ben Weathley e estrelando Lily James e Armie Hammer, como Mrs. de Winter e Max de Winter, respectivamente.

A refeitura de Rebecca não é um filme ruim, entretanto é um filme sem graça, muito distante em termos de qualidade fílmica e estética do original dirigido por Hitchcock, o que deixa a obra muito apagada em relação à sua versão anterior. Falta na narrativa uma condução diretorial que entregue o suspense que vemos no filme de 1940, que dá todo o tom deste romance obscuro. Narrativa em que há um fantasma que não aparece, e está presente apenas no imaginário dos personagens, que construíam Rebecca de forma tão descritiva e assustadoramente real, o que não acontece nesta nova abordagem.

Falando em filme de assombração sem assombração, como eu aponto durante o episódio, aqui Rebecca precisou ser mostrada, mesmo que não por completo, mas por meio de uma estética onírica que levava a senhora de Winter à uma alucinação com a ex-esposa de seu marido que passeia como um fantasma pelo baile, momento clássico e importantíssimo para a narrativa. Tal sequência é totalmente desnecessária, que denota essa conveniência de filmes atuais em expor demasiadamente para explicar, mesmo que Rebecca seja só mostrada de costas vestindo um vestido vermelho e possuindo longos cabelos pretos. No original apenas a descrição feita pelos personagens da trama bastava para criarmos a imagem de Rebecca em nossas mentes, e através de seus relatos, a ex-esposa de Maxim estava mais presente e visualmente viva do que nunca.

Não havia necessidade de se sustentar em uma criação clichê de aparição para mostrar o quão perturbada está a senhora de Winter, já que o grande acerto da primeira adaptação de Rebecca são suas sutilezas, e Hitchcock deixa nas mãos da, excelente atriz, Joan Fontaine para mostrar sua perturbação quanto a presença, quase que espectral, de Rebecca na vida daqueles que agora ela precisava conquistar.

O filme tem qualidades, uma delas é a composição belíssima de planos aliada ao excelente trabalho de uma direção de arte competente que trouxe no figurino e construção de set o aviso de como os detalhes são importantes para a imersão do espectador e ressaltar a época em que se passa a narrativa, a classe social dos personagens, suas características psicológicas, entre outros detalhes que às vezes passam despercebidos por nossos olhos, mas são muito importantes para a criação daquele universo fílmico que a produção propõe, não tem como não dizer que o filme é lindo imageticamente. A atuação de Lily James também é um ponto positivo, a atriz se esforça, e a forma como a personagem da senhora de Winter se sente é crível e de certo modo tive empatia com a personagem.

Rebecca, uma Mulher Inesquecível versão da Netflix sofreu do mesmo problema que a senhora de Winter, o remake também possui um alguém notável do passado do qual serve como uma assombração e um ponto de referência comparativa. Entretanto, enquanto a senhora de Winter consegue se superar e mostrar que é tão extraordinária quanto Rebecca com suas próprias particularidades, o remake falha e não consegue superar o seu passado, nem mesmo ser relevante, tornando-se mais um filme esquecível do catálogo da Netflix. Acredito que remakes podem sim ser bons, e não precisam ser melhores que os originais, mas o bom remake precisa ser tão relevante quanto o original e trazer novos ares para uma narrativa que de certa forma representa uma narrativa em uma época diferente, infelizmente essa nova versão de Rebecca não se justifica, nem mesmo atualiza o enredo, por isso, o original, de Hitchcock, continua sendo a única adaptação relevante do romance homônimo de Daphne Du Maurier.


Noturnos – O Horror em Vinicius de Moraes

A nova série do Canal Brasil criada por Caetano Gotardo, Marco Dutra e Renato Fagundes “Noturnos” busca mostrar uma face da obra de Vinicius de Moraes por uma estética do gênero de horror e com isso trouxe uma narrativa extremamente interessante e com uma história memorável.  O que vemos é uma companhia de teatro que…