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Cinefantasy – Tubarões Voadores

Um grupo de pesquisadores e agentes secretos comandados por uma grande agência dos EUA descobrem uma base na Antártida, e do resultado dessa descoberta eles, involuntariamente, libertam uma tropa especial zumbificada do exército nazista que também são “pilotos” de tubarões geneticamente modificados. Portanto eles colocam em risco a segurança do mundo que agora é atacado pelo exército nazista e apenas o bilionário centenário Klaus Richter, suas duas filhas e um grupo ressuscitado de boinas verdes podem salvar o planeta.

Sim, este é um breve resumo do que lhe aguarda quando for assistir Tubarões Voadores do diretor Marc Fehse. Em um primeiro momento essa mistura parece ser uma fórmula sem noção para um desastre, mas que é tão insana que há uma esperança de tornar-se um bom entretenimento auto-irônico, ainda mais para alguém que, como eu, gosta de filmes surtados e que não possuem sentido algum. Infelizmente a diversão não existe, e resta apenas o desastre que já era previsto.

O filme é uma mistura de elementos que já estamos acostumados em grandes filmes do gênero horror, mas que aqui aparecem como um apanhado de referências em uma tentativa frustrada de tentar prender o espectador mais nostálgico. Contamos com aparições de convidados muito especiais do imaginário de quem cresceu assistindo produções B na Tela de Sucessos no SBT, entre eles o ator Tony Todd, o bizarro legista do primeiro Premonição (2000), Mick Garris, diretor da série O Iluminado (1997), Psicose 4: A Revelação (1990), entre outros clássicos, além da atriz Barbara Nedeljakova, que ficou conhecida por seu papel em O Albergue (2005).

 

A presença de rostos conhecidos não é o suficiente para estabelecer alguma conexão sequer com o filme, que é um festival de exageros conduzido por um visual inspirado em quadrinhos, que me lembrou muito dos filmes do diretor Zack Snyder. Entretanto, tal estética só atrapalha pela quantidade de computação gráfica e tela verde que tira todo o impacto da ação e gore que deveriam ser o carro chefe do filme, mas infelizmente é falha. Soma-se isso à um roteiro que não se esforça nem para ser compreensível e uma quantidade enorme de nudez desnecessária que faz parecer que o exército nazista e os boinas verdes não são a única coisa do filme que vieram do passado.

Gosto de pensar que tudo é uma experiência e experiência é aprendizado, e toda obra acerta em alguma coisa, essa também acerta apesar da quantidade de absurdos e péssimas representações. A trilha sonora bem oitentista inspirada em vaporwave e alguns planos que também seguem essa estética são um ponto bem alto, além da cena inicial do ataque ao avião, que me fez ter alguma fé no filme.

Tubarões Voadores não teve efeito algum em mim, entretanto acredito que deva haver algum público para ele, talvez aqueles que gostem ainda mais do que eu desse estilo de cinema extremamente descompromissado e sem noção, e me parece que ele é construído à este nicho que consome produções como Sharknado (2013) e outros filmes do canal Syfy, talvez seja divertido assistindo com amigos também (durante a pandemia isso pode ser feito pelo Discord, Skype e etc., mas fica em casa se puder). Para mim o ponto alto de Tubarões Voadores foi a aparição mais do que especial do ator Cary-Hiroyuki Tagawa, o eterno “Shang Tsung” do clássico Mortal Kombat (1995), que talvez faça mais o meu estilo de filme exagerado e descompromissado.


A Hora da Sua Morte – A Ignorância é uma Bênção

 

A Hora da Sua Morte é um filme dirigido por Justin Dec e conta a história de Quinn (Elizabeth Lail), uma enfermeira que por curiosidade decide baixar um aplicativo que revela com exatidão quanto tempo de vida seus usuários possuem. O filme segue o estilo de outras obras onde pessoas, por curiosidade ou por acidente, ativam uma espécie de maldição que as persegue e um a um os personagens vão morrendo de formas diferentes, criativas e geralmente bastante gráficas.

Sua trama se encaixa perfeitamente em uma fórmula que pode ser encontrada no texto de Noël Carroll, intitulado “Why Horror”, no qual ele diz que os filmes de horror, em sua maioria, possuem uma estrutura baseada na curiosidade, tanto do espectador, que mesmo sabendo das reações externas que vai sofrer, provocadas pelo medo e conteúdo gráfico dos filmes, continua a assistir, e do personagem principal que está em um jogo de procura e descobertas. Primeiro, o espectador descobre que algo está errado, enquanto o personagem ainda duvida da paranormalidade dos eventos, logo em seguida o protagonista finalmente descobre que sim, ele está em uma situação de perigo da qual não sabe como resolver, ele então encontra outros personagens para ajudar em sua busca atual que é sobreviver. Depois ele desvenda o perigo que o aflige, para então achar um modo de solucionar o problema e por fim executar o plano e enfrentar o inimigo,  retornando para seu estado de calmaria do início do filme, para que nos últimos segundos ele descubra que sua vitória não foi tão bem sucedida assim, ou outra possibilidade de final é o protagonista perder a luta para o que o assombra.

E assim segue A Hora da Sua Morte com bastante exatidão e fidelidade à esta estrutura, não é um problema agarrar-se a fórmulas já estabelecidas, contudo, é importante se atentar ao fato de que elas podem estar desgastadas e decidir rumar por elas faz com que seja preciso que a estrutura do filme seja recheada de um conteúdo bom, que pelo menos entretenha a quem assiste. O que não ocorre nesse caso, ele além de se apegar a uma estrutura repetitiva, ele não traz nada muito novo ou relevante para que o filme seja pelo menos divertido. O que mais incomoda é o fato de ele tentar durante a narrativa tratar de assuntos sérios como assédio no ambiente de trabalho, por exemplo, usando-o como subterfúgio para alguns acontecimentos ao final da trama, e ele não se aprofunda de forma consciente no tema que demanda maturidade ao ser discutido.

A forma como o enredo é conduzido também se limita a criação de setups que culminam no clássico, mas também batido, jump scare. Mesmo fazendo sentido para a trama, pois a pessoa que quebra as regras do aplicativo fica amaldiçoada e o demônio quer aproveitar o pouco tempo de vida que elas têm enlouquecendo-as. As sequências são montadas de forma muito pobre criativamente, levando o filme a um lugar comum como outras obras que prezam mais o susto do que uma narrativa e composição potentes de planos, ou então que pelo menos divirta e não faça parecer que foi um tempo desperdiçado por parte de quem assiste.

Nem mesmo as mortes presentes no filme são gráficas ou criativas, como por exemplo as que vemos em Premonição, elas são executadas fora do plano – não aparecem em tela – talvez para manter a censura mais branda e alcançar mais pessoas, contudo a violência em um filme com um pressuposto como o dele é essencial, pois um dos objetivos do enredo é aterrorizar os protagonistas que terão o mesmo destino, por consequência colocando medo e desgosto em quem assiste.

O filme não é de todo ruim, o roteiro tem uma certa coerência e respeita muito bem as regras que ele mesmo cria, sabendo inteligentemente resolver a maldição adquirida por quem baixa o aplicativo e quebra o contrato de usuário. O fato de Quinn ser uma enfermeira e trabalhar em um hospital agregam e muito para a história que está querendo ser contada e a forma como ela será resolvida. Portanto, é notável que houve um tratamento do roteiro e uma escrita bem pensada nos detalhes relacionados a fábula do filme, ou seja, a história do aplicativo, os porquês e o funcionamento do software e da criatura que está por trás dele, isso é tudo muito bem feito, contudo muito mal utilizado por conta do exagero de clichês e da infantilidade do restante da trama que não consegue achar um equilíbrio entre se levar a sério – os personagens têm relações familiares traumáticas rasas, falta de profundidade nos assuntos que parecem jogados – ou ir para o lado da galhofa e assumir o absurdo de um aplicativo que mata pessoas que quebram suas regras. O filme possui alguns tons cômicos envolvendo dois personagens, que são engraçados, contudo pela falta de conexão entre os elementos jogados na trama, eles ficam sobressalentes.

A Hora da Sua Morte é um filme que joga muito no seguro, sendo bastante tímido quando procura alguma seriedade na trama por falta de coragem ou vontade de se aprofundar no que está sendo introduzido, tornando-o bastante esquecível e limitado a alguns jump scares sem graças. O universo criado em volta do aplicativo é interessante e possui uma certa inteligência de escrita, mas que não é suficiente para livrar a obra, que parece uma colcha de retalhos, de um destino no limbo junto com as dezenas de filmes parecidos que são produzidos anualmente.


Fábulas Negras (2014) – Uma união de grandes diretores do cinema brasileiro

As Fábulas Negras é um longa-metragem lançado em 2014, tratando-se de uma compilação de cinco curtas-metragens dirigidos por Rodrigo Aragão, Petter Baiestorf, Joel Caetano e José Mojica Marins. Três diretores que tiveram origens parecidas e encaram a forma de fazer seus filmes de forma semelhante, artesanalmente, mão de autor, uso dos cânones do horror e a vontade de fazer e de criar um horror puramente nacional, se juntam com um dos predecessores do horror brasileira e provavelmente grande influência para eles: Mojica, o Zé do Caixão.

Como já dito trata-se de um longa metragem formado por curtas, As Fábulas Negras, idealizada por Rodrigo Aragão, traz filmes que tem o objetivo de recontar histórias do folclore brasileiro de uma forma subversiva e macabra. Um dos maiores méritos do filme é como ele consegue representar a cultura brasileira, sua regionalidade e variedade cultural de quase todo o país nos curtas, pois nada mais nacional do que o próprio folclore brasileiro. Os curtas são: O Monstro do Esgoto, por Rodrigo Aragão, Pampa Feroz, por Petter Baiestorf, O Saci, por José Mojica Marins, Loira do Banheiro, por Joel Caetano e Casa de Iara, por Rodrigo Aragão. Todos interligados por uma mini-trama em que crianças brincam e começam a contar histórias de horror da região quando passam por locais que os fazem lembrar delas, tudo isso com um imaginário puramente infantil, contudo subvertido pela dramatização com imagens cheias de violência e uma escatologia que parece adaptado do naturalismo literário.

A estética dos filmes segue um padrão, uma fotografia escura, amarelada, com uma cor de terra, remetendo ao interior dos estados brasileiros, local onde a ação da maioria dos curtas ocorrem, fazendo muito sentido com a sua temática, pois o interior do país é onde essas histórias são muito consumidas e compartilhadas formando um imaginário popular. A transição de histórias e planos se dá por um efeito de projetor mantendo grãos na imagem, conversando com a fotografia que dá um toque envelhecido para a imagem.

O Monstro do Esgoto, curta-metragem que abre a antologia é o único, entre os demais, que aborda uma crítica política. Ele repreende ferrenhamente, de forma cômica e irônica, a corrupção e mau uso do dinheiro público, principalmente em pequenas cidades mas que também cabe ao país como um todo, e ao sistema de serviços públicos ineficiente. É interessante como ele faz essa crítica, porque a direção usa de um elemento narrativo clássico do horror, que é a loucura causada por um evento sobrenatural, mas nesse caso a loucura do protagonista se dá pela ineficiência de um serviço público e a sensação impotência do personagem diante da situação que não consegue resolver, mesmo seguindo todos os procedimentos legais recomendados para a resolução do problema, ele é mal atendido pelos funcionários responsáveis, é obrigado a pagar multas, ou seja uma total situação de impunidade. Ao final o monstro que seu filho achou no encanamento não era o maior perigo do curta e sim o monstro que seu pai se tornou graças a ineficiência e desprezo do órgão público.

 

 

Sobre o monstro que o garoto guardava em uma caixa, deve-se notar uma reprodução de uma ferramenta clássica, muito utilizada em Friday the 13th (1980) entre outros filmes, a câmera subjetiva para não mostrar o monstro, utilizando do texto fílmico para dialogar sobre a máxima do horror que é o mostrar ou não mostrar, ou o quanto mostrar. Ele se mantém escondido até os minutos finais do curta, onde é um padrão ser a hora de mostrar, então temos os monstros e o gore sendo usados e abusados em tela.

 

 

Pampa Feroz, que vem em sequência, dirigido por Petter Baiestorf tem como característica ser bastante regional dentre os demais da coletânea, trazendo caricaturas típicas do Sul do país através do uso de signos muito característicos do lugar, como por exemplo a figura do gaúcho, grandes fazendas e trabalhadores delas, chimarrão, o sotaque e por fim o estilo caricato dos capatazes. A temática também se alia com o imaginário de um interior rural, pois a figura do lobisomem é parte de uma história que tem origem em meios rurais muito por causa do cenário e do que a imaginação pode inventar em locais isolados a noite.

 

 

O episódio é sobre uma dúvida instaurada na cabeça dos locais, onde uma fera matou um dos homens do dono da fazenda, e eles estão tentando descobrir quem é. A história faz um comentário crítico sobre preconceito religioso, visto que eles colocam a culpa em um senhor que mora nos arredores da grande, chamando-o de “macumbeiro”, então temos aí uma leve discussão acerca das origens do medo no que não conhecemos e como ele fica mais forte dentro de grupos que compartilham a falta de conhecimento sobre aquilo que é novo, neste caso, a intolerância religiosa.

 

 

O Saci dirigido por José Mojica traz uma releitura de um dos personagens mais clássicos do folclore brasileiro, desta vez com uma visão muito mais perversa. Novamente o “monstro” não é mostrado, e se assemelha muito a uma versão moderna e brasileira do demônio Pazuzu de o Exorcista (1973), pois o Saci não mais azeda o leite, dá nó na crina de cavalo ou rouba ovos de galinhas, ele agora pune e caça quem desrespeita os espíritos da floresta com o desejo de possuir e enlouquecer seus alvos.

A referência ao Exorcista está presente na sequência de exorcismo, contudo ela não passa de apenas uma referência, pois toda a cena é bem “abrasileirada”, com um pastor (o próprio Zé do Caixão) gritando trechos da Bíblia, seguida de uma montagem alternada e sufocante entre possuída e o grupo exorcizando, além da movimentação de câmera nauseante e os planos fechados que ajudam a causar esse efeito incômodo tão desejado pelo veterano diretor. Uma curiosidade sobre a cena do exorcismo, e outros frames seguintes são as pontas feitas pela equipe neste curta metragem.

 

 

A Loira do Banheiro de Joel Caetano traz um outro clássico das lendas urbanas brasileiras, de um jeito brasileiro mas com um flerte no cinema japonês de horror, o internato de garotas e até a forma como elas se vestem lembram muito os filmes orientais. Um dos frames do filme, as luzes piscam, um banheiro abandonado e uma garota está de costas no centro do lugar, enquanto outra garota se aproxima dela, alternando entre inserts da mão que se aproxima da figura estranha e closes do rosto apreensivo, homenageia os clássicos como Ju-On (2002) ou Ringu (1998), tanto pelo set-up da cena quanto seu clímax final, o cenário também ajuda a remeter as histórias de assombrações asiáticas, tanto no cinema como nos jogos, o banheiro apodrecido lembra muito de Silent Hill, por exemplo.

 

 

O efeito desse flerte entre cinema brasileiro e japonês traz um resultado interessante e uma boa capacidade de articular os cânones, já que a colorização, a locação, os personagens e o estilo da escola/internato cria uma mistura interessante de nacionalidades formando uma estética nova e própria, que causa uma confusão de local e anacrônica, pois ele utiliza uma lenda brasileira e  a mescla com nacionalidades características de outros cinemas. É um curta exemplo de como o gênero horror possui um caráter simbionte de englobar diversos cânones de diversas regiões e gêneros cinematográficos criando uma estética nova a partir da boa reutilização do já conhecido.

 

 

A Casa de Iara é o último curta-metragem, de menor duração e o mais imagético de todos eles, com poucos diálogos, o foco dele é ser forte visualmente falando, seja na violência quanto na erotização culminando na mistura dos dois elementos, por uma sequência de efeito incômodo e indigesto, trazendo contigo uma das principais características do gênero, a externalidade, o espectador certamente vai se incomodar com o que está em tela configurando-se em um sentimento, no melhor dos sentidos, de repulsa na platéia

O último curta se amarra com a história dos garotos porque a casa de Iara é o último lugar por onde as crianças percorrem, na casa o monstro do primeiro curta ataca um dos meninos no último frame, que acaba com um close no rosto do garoto, novamente muito expressivo e exagerado, longe de qualquer realismo/naturalismo, reforçando outro cânone narrativo do final pessimista em que a vítima morre e a sensação de insegurança jamais vai acabar.

 

 


A Visita (2015) – Um registro de família, união e perdão.

A Visita é um filme dirigido por M. Night Shyamalan, lançado em 2015 que conta a história dos irmãos Becca e Tyler que são chamados pelos avós distantes para passarem uma semana com eles e finalmente conhecerem os netos. O filme se encaixa no subgênero que toma como estética visual o found footage, como se a história se tratasse de um documentário, gravações caseiras encontradas e etc. Subgênero do qual ficou famoso pela explosão do filme a Bruxa de Blair, influenciando diversos outros filmes do gênero horror que vieram a seguir com a sua fórmula de filmes encontrados.

Uma característica importante para a realização de um filme found footage é que a ação é guiada pelos personagens que carregam as câmeras de vídeo por todo o filme, ou seja o diretor revela o dispositivo câmera, item que é escondido pelos filmes que fazem parte de um cinema clássico e tem como objetivo manter a naturalidade da narrativa escondendo o dispositivo câmera dos olhos dos espectadores para manter a platéia nos trilhos da obra, sem quebrar a diegese fílmica. Entretanto neste caso, sabemos que há uma câmera registrando tudo o que é mostrado, mas por ainda se tratar de uma ficção, no found footage, o realizador precisa de uma boa “desculpa” para que o espectador se conecte com a história e aceite que os personagens levem a câmera para todos os lados, escondendo o motivo principal: a câmera precisa estar com os personagens pelo simples motivo de que sem ela o filme não existe, para assim manter a diegese do filme. Essa “desculpa” é o primeiro acerto do filme, Becca é uma aspirante a cineasta e quer aproveitar o final de semana com os ainda não conhecidos avós e fazer um documentário pessoal sobre a visita a fim de resolver problemas mal resolvidos entre sua mãe e seus avós, que durante a narrativa se revela que é um motivo ainda mais nobre.

Até aí esta “desculpa” não é nenhuma novidade, Bruxa de Blair mesmo é sobre um grupo de jovens fazendo um documentário a procura de uma famosa bruxa, mas a inovação não está na ideia e sim na forma como ela é trazida ao filme, a estética e o documentário de Becca não servem apenas como um fio condutor da narrativa e sim como parte integrante de todo o enredo personificado pelo próprio Shyamalan por trás da personagem Becca. Ela age como a diretora do filme e ele é todo montado em função dela, compõe os enquadramentos em cena, ficando bonitos propositalmente pois ela é uma garota que estuda cinema, dirige o irmão para que ele aja mais naturalmente enquanto realiza ações banais como desfazer as malas, já que o documentário segundo ela precisa ser crível para os espectadores, eles discutem misé-en-scene, ética do cinema e Becca ainda realiza exercícios de direção de atores com os avós e o irmão para melhorar o resultado das entrevistas que ela precisa para alcançar seus objetivos com o filme. Enquanto ela age como diretora, aparece em vários momentos editando o filme pelo computador, pensando na trilha, o irmão, Tyler, serve como um assistente de direção, manuseando a segunda câmera do filme, ele aprende com a irmã o básico de captação de imagens e é responsável pelos momentos descontraídos do filme. Com todos esses elementos sendo expostos o diretor consegue discutir cinema e o pensamento cinematográfico sem estragar o processo de apreciação do filme, pois é tudo muito natural, inclusive, talvez, a grande mensagem do filme seja como o cinema e as imagens podem ser tão poderosas a ponto de curar feridas emocionais muito profundas.

 

 

Para a realização de um filme como esse, grande parte da responsabilidade, se não toda, está na mão dos atores, pois para mantermos a já citada diegese com o dispositivo câmera totalmente exposto precisamos de atuações extremamente naturais, pelo menos por parte dos dois irmãos que regem a narrativa, o que eles fazem muito bem, pois em nenhum momento o espectador desconfia da capacidade dos atores e nada parece atuado ou forçado. O diretor consegue extrair todo o potencial dos dois jovens atores em momentos de planos longos e câmera parada com zooms poderosos, onde eles têm apenas a lente das câmeras para contracenar, e diga-se de passagem os momentos das entrevistas são onde eles se destacam, a atriz Olivia DeJonge, Becca, é o grande destaque já que a personagem além de dirigir e conduzir toda a narrativa, ainda precisa demonstrar muito sutilmente a tristeza e melancolia que afeta a personagem, por conta do abandono do pai quando era pequena, que precisa ser forte pelo irmão e pela mãe. Ela protagoniza uma das sequências mais bonitas e singelas do filme, em um desses momentos de câmera parada em que o ator está inerte enfrentando o olhar invasor das lentes, Tyler questiona o porquê da irmã não conseguir se olhar no espelho e se vê apenas pelas lentes da câmera, a construção do plano se transforma em um registro muito íntimo da personagem que está totalmente exposta. Ela com poucas palavras e um jogo de olhares consegue expressar muito bem o sentimento que acomete a personagem através de uma frustração muito grande, proveniente de uma insegurança que ela havia guardado e trancado a sete chaves. O ator Ed Oxenbould, também não fica atrás, em seu momento de intimidade com a câmera, ele se revela contando sobre a última história que teve com o pai e traz consigo um sentimento infantil de culpa por parte dele pelo abandono.

 

 

Esse clima de melancolia e tristeza permeia toda a narrativa e faz parte do grande “tema” do enredo, apesar da situação de horror que comentarei mais à frente, o filme comenta sobre esses pequenos rituais e feridas que grandes traumas podem trazer à quem sofre e eles ficam escondidos, quase não notados cotidianamente, mas, novamente, o bom uso da estética found footage do filme mostra que eles não ficam escondidos diante dos olhos das lentes. Tyler tem medo de germes depois que o pai foi embora e está constantemente se limpando, Becca não se olha no espelho e evita falar do pai, a mãe parece sempre ansiosa quando fala com os filhos via skype e sempre acaba dizendo coisas na “brincadeira” como por exemplo que nunca vai ser feliz, os avós estão sempre agindo estranho e evitam falar da filha ou de qualquer coisa do passado, ou então sobre as suas fragilidades expostas pelos netos através das filmagens. O diretor introduz neste drama, além do horror, um humor como um chiste no filme, assim como seus personagens o fazem para esconderem suas feridas. Todos estes elementos narrativos conseguem dar certo porque todos esses sentimentos, inclusive o humor, são inerentes aos personagens, graças a um roteiro minuciosamente fechado sem pontas soltas, com tudo que é mostrado tendo propósito somado a uma química clara entre os atores, os irmãos parecem irmãos com brincadeiras e provocações, a mãe deles claramente os ama e os avós possuem segredos e mistérios que vão aos poucos sendo mostrados.

 

 

Apesar de ter citado muitos elementos dramáticos e exacerbado a estética do found footage, A Visita se trata de um filme de horror, com o uso excelente das ferramentas que o gênero propõe e que foram aprimoradas desde sua gênese, é onde Shyamalan acerta, pois ele não traz uma grande inovação em ferramentas, contudo demonstra um uso muito consciente delas, denotando que ele estava seguro ao fazer o filme. O naturalismo que o found footage propõe é aos poucos invadido por uma sensação de insegurança e apreensão por parte das ações pouco convencionais que os avós de Becca e Tyler apresentam com o passar dos dias. Através da figura dos idosos o diretor faz o uso das fragilidades que a idade pode trazer ao ser humano, elemento que por si só já ativa aquela ansiedade bem profunda que todos nós temos sobre o envelhecer, fragilizar-se e eventualmente falecer, para aos poucos causar o estranhamento nos personagens principais e por consequência na platéia. Mesmo com 94 minutos de filme, ele consegue trazer uma crescente lenta e bem acertada, que contribui para nossa ansiedade de o que está acontecendo, e se apóia justamente na fragilidade que um idoso pode ter, que em primeiro momento não coloca Becca e Tyler em uma sensação de perigo, pois tudo é justificável com explicações plausíveis tanto de Nana e Pop Pop, sobre estarem velhos e as vezes esquecerem as coisas, ou Nana andar a noite pela casa vomitando, arranhando as paredes da casa nua ou correndo pelos cômodos. Tudo isso é usado em tempo certo para contribuir na progressão do medo e da já citada sensação de insegurança, que só aumenta por vir justamente da própria família, que tem como ápice, após várias sequências bem planejadas como o sufocante esconde esconde nas fundações da casa, o final do filme, que como a tradição do cinema de Shyamalan demanda tem uma grande revelação.

 

 

 

A Visita é um filme com uma narrativa densa, que fala sobre família, rancor, amor e perdão. Todos os personagens no filme procuram curar feridas internas e como todo bom filme de horror a busca dos personagens é atingida após uma experiência exagerada, violenta e traumática. Com um roteiro bastante fechado é um dos grandes filmes do Shyamalan e, agora eu devo me revelar perdendo a neutralidade, um dos melhores found footage que vi, com momentos extremamente pessoais aliados à atuações que podem tirar algumas lágrimas como a cena final ou então sequências extremamente perturbadoras como os planos noturnos e toda a parte final do filme que é bastante forte. Shyamalan, mesmo como um filme denso, finaliza a narrativa de forma bastante inocente e positiva, o que pessoalmente acho necessário e justo, pois finais tristes e amargos são bons, mas às vezes precisamos ter um pouquinho de otimismo e esperança ao assistir um filme, crescermos e compartilharmos as dores junto dos personagens, uma mensagem importante que o filme trás é nunca guardar rancor, pois ele pode fazer mais mal pra si do que para quem ele é dirigido, isso fica bem claro com as imagens e narrativa poderosa que foram propostas pelo diretor e brilhantemente executadas pela equipe.

 

 


Midsommar, O Horror em Cores Ensolaradas

Em Midsommar, Ari Aster investe em um relacionamento desgastado, uma perda recente e uma comunidade pagã Européia para causar não apenas medo, mas um sentimento de repulsa imenso por parte do espectador. Durante o início do filme ele remete bastante à estética fria de Hereditário, contudo, busca já antecipar a narrativa colorida que virá a…