Em Midsommar, Ari Aster investe em um relacionamento desgastado, uma perda recente e uma comunidade pagã Européia para causar não apenas medo, mas um sentimento de repulsa imenso por parte do espectador.

Durante o início do filme ele remete bastante à estética fria de Hereditário, contudo, busca já antecipar a narrativa colorida que virá a seguir, ressaltando a cor amarela em meio a toda escuridão que circula a morte dos pais e irmã de Dani, que fica só mais forte por meio dos movimentos de câmera que o diretor escolhe ao revelar lentamente cada cômodo da casa. Ele passeia com a mesma leveza e sutileza que ele já demonstrara em Hereditário, até a forte revelação de uma medonha engenhoca criada pela irmã de Dani para tirar sua vida e as dos pais. Toda a leveza e simplicidade da sequência dada pelos movimentos de câmera é ironizada pela trilha, que não é composta por música ou instrumentos convencionais e sim ruídos agudos que incomodam e dão o tom certo a cena, que por si só já é bastante gráfica, servindo também de contraponto para a sutileza de movimentos. Ele monta todo este início em camadas de ironia, as cores azuis sendo transpostas pela mangueira amarela, como se houvesse beleza naquele assassinato repugnante, e da forma como é retratada, nos sentimos culpados de ver beleza na sequência, mas infelizmente ou felizmente há, e tudo isso faz com que o filme penetre ainda mais em nossas mentes e incomode.

Em seu filme anterior o diretor exacerba as dificuldades de um relacionamento entre mãe e filho, que não se dão bem, trazendo características de outro gênero cinematográfico, o melodrama. Em Midsommar ele traz um fim de relacionamento entre duas pessoas que estão em momentos diferentes e não possuem as mesmas pretensões. Apostar em um filme de horror que se passa quase todo no sol pode parecer loucura, mas nesse caso foi um acerto e uma quebra deste tabu de que os filmes de horror precisam ser sombrios e escuros.

Midsommar traz um conjunto de elementos que servem para causar angústia e dor em quem assiste. Os planos coloridos são inquietantes, pois é tudo tão bonito, mas o diretor faz questão de mostrar que há algo errado naquele belo lugar. Através de uma competente direção de atores nós vemos aquelas pessoas agindo de forma estranha, “felizes” demais. A atriz Florence Pugh entrega com muita naturalidade todas as inquietações da personagem Dani pela perda recente de quase toda a sua família, a indiferença de cônjuge Christian e a violenta mudança de hábitos ao estar envolvida com um grupo de pessoas tão diferentes de tudo que ela estava acostumada na América.

A lentidão com que a trama se desenvolve também faz com que nossa angústia aumente. A ausência de trilha e os momentos de silêncio são sufocantes e bruscamente rompidos por gritos e instrumentos ruidosos que parecem entrar no nosso âmago. O ritmo lento não nos permite ver a evolução da narrativa, porém ela está acontecendo, os personagens estão mudando, mas estamos preocupados e ansiosos demais para perceber. Assim como os integrantes da comunidade atraem os turistas com várias combinações alucinógenas e rituais de passagem não convencionais, os enquadramentos abertos, as mortes gráficas dos idosos e as pequenas deformidades na tela também servem para nos entorpecer e nos deixar bastante agitados, assim como Mark fica ao comer cogumelos logo no início do filme.

O filme talvez escorregue um pouco no ato final, visto que me parece uma versão bastante intensificada do final de Hereditário. Ele procura chocar, mas ao fazer filmes de horror, o realizador deve se atentar à saturação dos signos. É notável que estamos tratando de um gênero que procura acentuar conflitos e situações, mas é uma linha muito tênue e um perigo imenso de algo ser tão grande e tão chocante que se torna vazio. A sequência final de Midsommar chega muito próximo de se tornar vazia e quase pretensiosa, por conta justamente de parecer um auto-plágio do diretor que procura elevar a potências máximas o que já havia feito em Hereditário. Contudo, ele consegue entregar um final que faz muito sentido para a narrativa e ainda tem poder de impactar, mesmo tendo esse pequeno deslize.

Se formos pensar, a narrativa é toda sobre metáforas de Dani e Christian, a comunidade na qual eles vão apenas deixar mais “ensolarado” como cada um age com seu relacionamento. Enquanto Christian aborda o local com certa superficialidade, preocupado com sua tese e para onde isso vai levá-lo, ele trata Dani de forma rasa, sem envolvimento, não termina o relacionamento porque tinha medo de se arrepender no futuro. Ela se envolveu e lutou para tentar entender o local onde estava, sendo levada pelas emoções e pelo sentimento de pertencimento. Dani tratou o vilarejo na Suécia com intensidade e sem superficialidade, ela foi tão a fundo que se tornou parte da comunidade em Midsommar.