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O novo já nasce velho (e isso não é tão ruim)

Euller Felix* A história do cinema tem uma porção de releituras de obras do passado. Isto não é novo. Não é de agora que vemos remakes de filmes de sucesso, releituras de clássicos, novas abordagens com velhos personagens ou mesmo uma atualização de uma história do passado para um certo presente.  É algo bem comum,…


O horror existencial tecnológico de Ringu (1998) e as dificuldades de sua adaptação em O Chamado (2002)

Amanda Ramos*

O Chamado foi o primeiro filme de terror que eu vi, o remake, ainda criança. Passou em alguma sessão muito tarde do SBT e eu vi com uma amiga do quarto andar numa TVzinha pequena. Para mim era muito tarde da noite mas podia ser bem só 19 horas, porque tempo não tinha muito significado naquela época. Só sei que o filme ficou comigo muito tempo, a Samara me dava muito medo, um medo fascinante, que eu queria sentir. Hoje em dia ainda mantenho e acredito que O Chamado (The Ring, 2002) do Gore Verbinski é um dos poucos dos muitos remakes americanos de J-Horror dos anos 2000 que é bem sucedido em sua proposta. Mas, o original continua sendo… muito mais estranho, mais assombroso. 

Não sei como seria assistir esse filme hoje, sem saber como a vida era antes. Porque mais do que algo sobrenatural, definitivamente Ringu se trata de um techno horror, um horror tecnológico. Mas hoje não se tem mais telefone, quase não se tem TV. Eu me lembro muito bem da sensação liminar de ouvir o telefone tocar tarde, sem saber quem era, de ouvir a TV ligada falando sozinha. Era essa sensação estranha de que a própria tecnologia tinha uma vida separada de nós, que ela era secretamente consciente. Hoje em dia parece que a tecnologia não é mais algo separado, mas faz parte da nossa própria consciência, se um celular liga sozinho ou faz barulhos, eu não tenho a mesma sensação amedrontadora de quando a TV, ou o telefone o fazia. 

Ao mesmo tempo que me dava medo, um friozinho na espinha, eu também gostava muito dessa sensação, da TV ligada de madrugada, sozinha. A TV tinha vida própria, ela me mostrava coisas sozinha.

Mas voltando, parte do motivo pelo qual tenho essa opinião de que Ringu (リング, 1998) de Hideo Nakata é mais assustador, vem da minha pequena teoria de que ele consegue perfeitamente criar ambas as sensações de terror e horror, sendo a transição de um para o outro praticamente perfeita, terminando o filme quase imediatamente após o horror e nos deixando sozinhos após o clímax da história, assistindo os créditos. Essa relação entre terror e horror é algo que acabei encontrando enquanto estudava cinema na faculdade e que continuo usando como forma de tentar entender como alguns filmes são absurdamente perturbadores e outros parecem simplesmente se perder, mesmo tendo construído algo incrível em algum momento.

Basicamente, o terror e o horror são duas emoções diferentes, dois tipos de medo, geralmente ambas estão presentes em um filme de terror (ou de horror, ou filmes góticos ou filmes de medo, como você preferir chamá-los) e o que eu gosto de argumentar é que um de certa forma depende do outro para criar e manter o medo. O terror é, como definiu Devendra P. Varma em “The Gothic Flame: Being a history of the Gothic novel in England”: Sentir o cheiro da morte. Isso se traduz, nas histórias de medo, nos momentos quando se sabe que algo está errado, mas ainda existe um quê de mistério, não se sabe exatamente o que está acontecendo, se alguém morreu não se sabe como, ou porquê, por exemplo. Muitas vezes nos referimos a isso como suspense. Já o horror, novamente citando Devendra, é a sensação de tropeçar em um cadáver. É um sentimento muito mais visceral e chocante. É o momento quando se dá de cara com a causa direta daquele terror anterior. O terror é a apreensão e o horror a realização.

Noel Carroll define o sentimento de horror como um sentimento de contradição junto ao de ameaça, é o tipo de medo que vem ao estar frente a algo inexplicável e contraditório. No caso de um cadáver, por exemplo, pode se dizer que a contradição vem ao pensar ou lembrar da pessoa viva, e agora ver a pessoa morta. A própria morte é um conceito bastante inefável. Mas, nas histórias de medo temos exemplos muito mais radicais do que esse sentimento de horror pode ser, um único ser que representa ameaça e contradição em sua própria existência, como um zumbi ou um vampiro que é morto/vivo, por exemplo. 

A grande questão é, o sentimento de horror é difícil de se manter, especialmente em filme. Como se representa algo inexplicável e contraditório visualmente, se explica e desvenda o mistério que causava o terror anterior, sem que o medo passe? Afinal o que é inexplicável e contraditório deve permanecer assim, se não, não tem sentimento de horror, não tem como sentir horror real de algo que você compreende, talvez só o medo da ameaça, mas não verdadeiro horror. Por isso, tendo a dizer que o ideal é que o fim, o clímax de um filme de medo, (que tem essa estrutura, pelo menos) deve ser seu momento de horror. Algo que Ringu faz excepcionalmente bem, mas que seu remake acaba por falhar, pois a cena de horror não é muito bem trabalhada.

O J-Horror num geral tem uma coleção de filmes muito mórbidos, e ele é muito bom em causar o sentimento de horror, porque é bem famoso por deixar muitas pontas soltas, muitas coisas não explicadas, simplesmente porque tem coisa que não precisa de explicação, que é mais assustadora sem explicação. Coisa que o cinema americano de terror tem certa dificuldade em fazer, existe uma necessidade muito grande de se explicar absolutamente tudo, uma aversão à possibilidade que algo fique aberto a interpretação. Isso fica bem claro analisando as duas versões do filme, mesmo com Gore Verbinski genuinamente tentando manter a monotonia e lentidão do original. 

Antes de continuar preciso reconhecer aqui, que o próprio Ringu de 1998, de Hideo Nakata, é uma adaptação de um livro do mesmo nome, que eu ainda não li (mas pretendo). Como não tenho familiaridade com o livro, não sei quais elementos são adaptados de formas diferentes na versão japonesa do filme e na versão americana, o objetivo desse ensaio é só tentar perceber as formas e escolhas diferentes do fazer cinema nas duas versões, e não tanto na história em si.

A história dos dois é a mesma, e é (pelo menos eu acho) um clássico: Reza uma lenda que existe uma fita VHS estranha que as pessoas que assistem morrem sete dias depois. Asakawa/Rachel é uma jornalista que começa a investigar esse caso. Ela acaba assistindo também e agora está afetada pela maldição. Logo após assistir, o telefone toca e tem uma mensagem: no japonês, ouvimos um barulho de algo rangendo, no americano, uma criancinha sussurra “sete dias”. A partir daí temos uma contagem dos dias na tela, no japonês é apenas uma contagem de dia e hora, a cada dia. Já no americano é uma contagem dos dias que faltam para a maldição atingir Rachel (E isso é relevante no final).

Além de Asakawa/Rachel, mais duas pessoas acabam vendo a fita, Ryuichi/Noah primeiro e depois Aidan/Yoichi (filho dos dois). O filme então é uma corrida contra o tempo enquanto os dois tentam descobrir uma forma de sobreviver à maldição. Pode-se dizer que a história inteira é um momento de terror, onde eles sabem o horror que os espera, sabem da maldição, mas não a entendem completamente. No original ainda mais, até as imagens da fita maldita são muito mais sutis do que do remake, que conta já imagens mais chocantes de body horror, fica tentando te perturbar mais.

 

Na cena inicial dos dois filmes, temos duas meninas conversando sobre a maldição, sendo que uma delas viu a fita e vai morrer naquele dia.  No original ela morre realmente de forma inexplicável e muito rapidamente. Nossa é muito grande para entender o que aconteceu. A única coisa que fica explicada é a fita, e o prazo da morte, sete dias. No remake, a sequência em que ela morre é muito maior, já temos até uma visão do poço de onde Samara sai, coisa que vai sendo construída muito lentamente no original.

Eu tenho para mim que muitos bons filmes de terror tentam te fazer esquecer o que você está assistindo para te surpreender no pior momento possível. Tudo que é importante para a história, em Ringu, vai sendo jogado muito sutilmente, para que você não preste atenção, a fita que Asakawa copia e mostra para Ryuichi, o poço de onde Sadako sai no final. Já no remake, existem beats específicos no filme que fazem com que você saiba que essa informação foi dada, Noah pede especificamente para Rachel copiar a fita, e o poço aparece desde o início.

ASAKAWA COPIANDO A FITA ESPONTANEAMENTE SE LIVRANDO DA MALDIÇÃO SEM SABER / NOAH PEDINDO PARA RACHEL FAZER A CÓPIA ESTABELECENDO ESSE BEAT VERBALMENTE NO FILME

Ringu te engana junto com os personagens. Logo no fim, Asakawa e Ryuichi encontram o poço onde Sadako foi sacrificada e a “libertam” de lá. Parece uma conclusão plausível, e Asakawa não morre após os sete dias. Acreditamos que ela se livrou da maldição através de algum tipo de ato de compaixão, o filme acabou. 

A própria personagem parece confusa, como nós, quando a contagem dos dias volta a aparecer na tela, quando o filme não acaba. Sabemos imediatamente que a maldição não acabou. Corta para um plano de Ryuichi e ficamos ainda mais apreensivos. Ele vai morrer? Asakawa não sabe, nem nós, mas estamos esperando por isso o filme inteiro. Como é que as pessoas morrem?

 

Esse recurso narrativo da data que é bastante desconcertante se perde totalmente no remake, que tinha uma contagem apenas dos dias de Rachel. Quando eles “libertam” Samara, existe a sensação de que vai acontecer um fim, mas diferente do frio na espinha do original ao vermos a data voltar a aparecer, vemos o filho de Rachel repreendê-la por ter soltado Samara que é uma espécie de “mau absoluto”  – meio que estabelecendo uma sequência para o filme, acredito, e já deixando completamente óbvio o que vem a seguir. Ao invés de fazer o espectador chegar à conclusão de que não acabou, ele te conta tudo através de diálogo para que não fique nenhuma dúvida. 

A cena também vira um drama sem fim porque Rachel deduz que Noah vai morrer e começa a ligar para ele e tentar chegar até ele antes que ele morra. Em Ringu, sabemos que não tem salvação para Ryuichi, porque Asakawa não faz ideia que a maldição não foi quebrada para ele.

Chegamos enfim, no verdadeiro momento de horror do filme, quando estamos fechados no apartamento minúsculo de Ryuichi após entender que a contagem continua e começamos lentamente a ouvir aquele barulho do balde rangendo (que tocava sempre no telefone) e entendemos que agora a cena vai seguir até o fim, vamos finalmente ver como Sadako mata, como Sadako sobe do poço, sai de dentro da televisão e mata. No original essa é a primeira vez que vemos essa cena acontecer, ao contrário do remake no qual tínhamos visto o início do processo na primeira cena do filme.

É uma cena horripilante e lenta, ela não tem pressa nenhuma de acontecer, não tem música épica, a montagem é demorada. Vemos um Ryuichi aterrorizado ver a televisão se ligar sozinha e entender que vai morrer. O telefone toca e ele tenta desesperadamente avisar Asakawa, enquanto Sadako escala para fora do poço e se aproxima cada vez mais da tela e quebra a quarta parede da fita. Nesse momento ele, paralisado de horror e apenas assiste, a cena completamente inconcebível da imagem de Sadako saindo fisicamente da televisão e entrando naquele apartamentinho.

O sentimento de horror é palpável. A sensação de estar frente a algo inexplicável, inefável e ameaçador. Sadako, morta/viva, corpórea/não corpórea, imagem/carne. Em Ringu isso é muito claro e cru, assim como o resto do filme, é lento e fixo. Quando Sadako sai da televisão ela realmente sai, a presença dela é inquestionável e bizarra, horrível. Os sons aos quais se dá destaque são os do balde no poço (som que estamos ouvindo desde o telefone no início), e os sons de Sadako “escalando” o chão, de seu pisar pesado no chão, ela anda lentamente em direção a ele. Ryuichi sabe que vai morrer, e nós sabemos também. 

Vemos claramente suas mãos sem unhas, mas não se mostra o rosto de Sadako completamente, exceto por um olho esticado até o fim, uma imagem feia de se olhar. O filme entende que não deve mostrar Sadako por completo, porque o que causa medo é essa figura estranha e incompleta dela, não ver o rosto dela é assustador, não precisamos ver.

 

Essa cena dura dois minutos. Ao vermos Ryuichi morrer, cortamos para Yoichi, que sabemos ser o próximo da lista. Após isso, temos mais cinco minutos de filme onde vemos uma Asakawa confusa e em luto, sem entender o que ela fez especificamente que a salvou da maldição e não salvou Ryuichi. Ela então entende que o que ela fez foi copiar a fita. Algo ao qual não tinha se dado nenhuma atenção no momento que aconteceu no início do filme.

O filme termina quando ela entende que precisa copiar a fita e passar para frente para salvar Yoichi da maldição. A única forma de ver a fita e sobreviver é fazer uma cópia e mostrar para outra pessoa. Em cinco minutos isso acontece e vemos Asakawa viajando de carro até a casa de seus pais idosos, dando a entender que ela vai mostrar a fita para eles. Logo então vemos a data aparecer na tela pela última vez, vermelha, indicando talvez o fim da maldição na família de Asakawa. Fim. 

O horror da cena que acabamos de ver, a morte de Ryuichi, é seguido pelo horror de que para sobreviver é preciso condenar outra pessoa e logo após pela implicação mórbida de que Asakawa vai matar os próprios pais para salvar o filho. Ficamos com todas essas informações frescas na cabeça enquanto os créditos sobem. Assustador.

Como estabelecemos então, Ringu de 1998, consegue com sucesso criar uma atmosfera de terror o filme inteiro, 1 hora e 25 minutos, para desaguar num clímax de puro horror que não pára até os créditos, em seus sete minutos finais.

Já em O Chamado (2002), a sequência da morte de Noah é a mais fraca do filme inteiro, mas que teria que ser o grande momento do filme. 

Rachel acorda de manhã ao lado de seu filho achando que são tudo flores e ela libertou todos da maldição ao liberar o espírito de Samara, ela conta isso para ele que reage de forma muito negativa dizendo que ela não deveria ter feito isso e Samara é má e ela nunca dorme. Seu nariz sangra, já sabemos que ele não foi liberado da maldição, Rachel sabe imediatamente que Noah também não e sai correndo para tentar salvá-lo. O filme conta pra gente ao invés de nos deixar perceber junto com as personagens.

 

De repente temos uma sequência de cortes rápidos demais, muito diferente do resto do filme que tentou manter a mesma atmosfera lenta e contida do original até esse momento. A cena da morte de Noah também é interpolada por uma Rachel desesperada que já sabe o que está acontecendo (diferente de Asakawa que liga para Noah sem saber que a maldição não foi quebrada e não interfere na cena). Samara sai da televisão e mata Noah em uma questão de segundos. A cena fica estranhamente épica e dramática, ao invés de desesperadora e horrível como em Ringu.

Não só isso, mas quando ela anda em direção a tela da TV ela não anda o caminho inteiro, vemos um glitch e ela já está próxima da tela. Quando ela sai da televisão, ela continua tendo um aspecto eletrônico azulado, imagético, e ela não faz sons ao interagir com o ambiente (diferente de Sadako, que ouvimos claramente bater no chão com as mãos, e pisar, andar), num geral ela não parece estar lá realmente. 

A ameaça de que ela vai matar Noah está lá, mas a contradição não existe, Samara não parece real, ela é uma visão, no mundo real ela não anda, não faz som, ela some e aparece em outro lugar, ela é imagem. Samara não chega perto do absoluto horror existencial que Sadako causa ao sair lentamente de dentro de uma televisão e se apresentar viva em carne e osso na frente de Ryuichi em seu pequeno apartamento para onde ele não tem onde correr.

Os planos também não são fixos e parados como em Ringu, eles se movimentam junto com ela, pelo ambiente, os cortes são muito rápidos e a mudança de ângulo e movimento é uma escolha muito ruim. Os planos fixos e demorados do original dão uma sensação muito claustrofóbica, eles nos obrigam a assistir. Os cortes são rápidos, mas quando há um corte, ele está quase no mesmo ângulo do plano anterior, se aproximando ou se afastando um pouco de Sadako. 

Planos curtos e os movimentos de câmera não nos deixam prestar atenção no momento de horror direito, mas mais na ação, os planos se preocupam em mostrar todos os ângulos da cena. A sensação de assistir Samara de um ponto só, como Ryuichi/Noah, não existe. A cena na verdade parece mais preocupada com a grande ação, o grande drama, Rachel vai salvar Noah? Do que com o momento de horror do filme, com o absurdo de Samara saindo da TV.

O apartamento de Ryuichi é minúsculo e claustrofóbico, mal tem espaço para ele mesmo lá, quando Sadako sai da televisão, ela se impõe muito mais, sentimos que o ambiente está cheio e que não tem realmente para onde Ryuichi correr, quando ela é filmada ela enche o plano. O apartamento de Noah é gigantesco, é um galpão, é um lugar muito grande mesmo (e claro), quando Samara sai da televisão ela parece um ser minúsculo lá em meio ao monte de outros objetos, e tem muito espaço para Noah correr ou se esconder se o roteiro deixasse. É uma escolha estranha, não entendi muito bem porque a fizeram. Samara é filmada de planos mais abertos também e plongées, o que é no mínimo confuso e o contrário dos planos mais fechados e contra-plongées de Sadako em Ringu.

Samara também é obviamente feita em CGI, ela simplesmente não encaixa na imagem. No momento que mata Noah, seu rosto aparece por completo, diferente de apenas o olho de Sadako no original. A imagem de seu rosto completo é profundamente decepcionante comparado com o horror de vê-la sempre com o cabelo na frente da cara. A verdade é que ninguém precisava ver o rosto de Samara, como argumentado antes, acredito que não ver o rosto dela é uma característica fundamental para mantê-la desconcertante e estranha, contraditória. O Chamado de 2002 acredita que o espectador precisa saber o que tem debaixo do cabelo de Samara (um rosto, dã?), penso que ele não entende verdadeiramente a personagem nem o que causa medo nela. 

Ao fim da cena, também de dois minutos, interrompida a todo tempo por Rachel tentando chegar ao galpão, ela finalmente chega lá em questão de segundos depois de Noah morrer. É bastante decepcionante, a sensação maior que fica é de confusão, a confusão de pra onde esse filme vai agora. Mas, não acredito que tenha muito medo mais. 

Nos cinco minutos finais do filme, Rachel, como Asakawa, entende que precisa fazer a cópia do filme para tirar a maldição de Aiden. Mas antes ela tem um acesso de raiva e destrói a fita original (O remake é realmente MUITO mais dramático que o original, eu nem falei muito disso aqui, mas é muito mesmo).

A cena final é diferente, mas também interessante e acredito que bem executada. Não diria que é mais ou menos horripilante que a constatação que Asakawa vai matar seus pais, mas vemos Rachel guiando as mãozinhas de Aidan para fazer uma cópia da fita ele mesmo, e ele questionando ela sobre o que vai acontecer com quem assistir, quem vai assistir essa fita, quem eles vão matar. Gosto dessa parte, é bem assombrosa. Logo após vemos um corte brusco com o barulho de VHS e cenas da fita. Fim. 

Enfim, são dois filmes bem diferentes, o remake muito claramente estabelecendo uma sequência. E não acredito que o remake seja ruim, como já disse antes, aprecio que Gore Verbinski tentou fazer algo diferente com o material que ele já tinha, um dia espero conseguir fazer uma comparação dos dois filmes inteiros, porque definitivamente é muito interessante ver a diferença nas escolhas que ambos diretores tomam, diz bastante do J-Horror e do terror americano. Além do que o remake tem uma trilha sonora incrível do Hans Zimmer que é uma das minhas trilhas de terror preferidas, me dá calafrios só de ouvir. 

Aqui, porém, procurei focar apenas no que eu acredito que seja o que faz com que Ringu dê muito mais medo do que O Chamado, que é o fato dele conseguir criar muito bem o momento de horror no final e segurar até o filme acabar, enquanto O Chamado cria o terror bem, mas decepciona muito no horror. 

Claro que não deixa de ser minha opinião, uma opinião sobre dois filmes que eu gosto muito. Não posso negar que, quando era criança e assisti O Chamado naquela TV pequenininha na casa da minha amiga, fiquei dias vendo a Samara toda noite no meu quarto, antes de dormir.

 

* Manda Ramoos

(Ficou com medo da Samara escrevendo esse ensaio)


Bem Vindo ao Mundo Das Trevas

Bruno Pessoa*

Brincando de ser o Forasteiro Definitivo

Desde que o homem criou a linguagem falada ao mesmo tempo nasceu a habilidade de contar histórias, essa habilidade tem com função encantar, cativar, alertar e de provocar reflexões. Essa é a habilidade onde nasce as ideias e elas ganham vidas através da nossa imaginação e com isso elas fluem pelas nossas palavras. 

É uma habilidade que nós mais próximos de nós sermos Deuses, podemos criar universo e nesse universo criar mundos, e nesses mundos criamos paisagens, locais, lugares, locais, prédios e templos e encherem esses lugares com criaturas e para interagir com essas criaturas criamos personagens e para sabemos do destino desses personagens criamos narrativas no quais esses suplementos criados por nós dá vida a uma história no qual ele pode ter infinitas possibilidades de desfecho. Com esta arte humana não fazemos isso apenas para escaparmos da nossa realidade cruel e sem remorso e sim para entendermos a nossa vida e nosso lugar no universo e assim inserimos fantasia, criaturas mitológicas, deuses, heróis e vilões.  Mesmo que criemos essas tramas com personagens neles, temos que conduzir a história para que despertamos as emoções humanas como amor, medo, inspiração e reflexão.

No mundo moderno, as histórias são consumidas em diferentes mídias e de diferentes formas para serem assimiladas, e uma delas combinam arte do teatro para interpretar papéis e com o sistema de jogos de tabuleiros para viver uma história com personagens, mundos e cada história com a sua temática própria.  

Entre Espadas e Feitiçaria e Vampiros  

Com as obras literárias do grande escritor americano nascido no estado do Texas,EUA Robert E. Howard com o seu famoso personagem Conan o Bárbaro e o seu outro filho consagrado porém, subestimado, o Solomon kane, graças a suas obras em que ele que popularizou o subgênero chamado Espada e Feitiçaria nele que seria um pontapé inicial para a obras que conhecemos hoje a “fantasia moderna”, como por exemplo Senhor dos Anéis, Game of Thrones, The Witcher e Elric of Melnibone, Prince of Thorns, Harry Potter, Chronicles of Narnia e tantas outras. Um subgênero que nasceu nas mãos deste escritor por meio “não intencional”, já que ele não foi o criador ele apenas o patenteou como o nome do subgênero, anteriormente já existia outros autores que escreveram contos de Espadas e Feitiçarias, como por exemplo Abraham Grace Merit, mas conhecido como A.Meritt, entretanto na época estas histórias eram denominadas precariamente apenas como “Histórias Fantásticas”,  futuramente elas seriam categorizadas adequadamente como  “Espada e Feitiçaria”, sub gênero no qual  consiste sobre histórias fantásticas compostas por guerreiros e feiticeiros onde a fantasia e o sobrenatural existem. Após o falecimento do escritor por culminando no seu suicídio causado pelo falecimento da sua mãe surgiram outros autores ingressando neste o redefiniram o subgênero um desses autores é o  Michael Moorcock autor do Elric de Melnibonne, a sua obra não só inovou o subgênero, mas criou o outro subgênero que é o Dark Fantasy , no qual este gênero consiste em altenar o tom da fantasie medieval onde o fantástico é belo e alegre  e tornando em algo sombrio com ar de noir.  E com o lançamento da maior obra de fantasia da literatura o Senhor dos Anéis em 1950  com autor J.R.R Tolkien lançando com o autor que definiu o gênero de “Fantasia Medieval” que futuramente iria culminar em inúmeras outras histórias e novos universos a serem criados inspirados pela obra de Tolkien. 

Com o advento dos jogos de tabuleiro entre a década de  30 e 50   principalmente os jogos de guerra aonde cada jogador tinha o objetivo de aniquilar um exército do adversário e conquistar territórios, no entanto para que cada partida não fosse exatamente igual e premeditada os jogadores começaram adicionar histórias e interpretação de papéis, fazendo com que assim toda tática de guerra que o jogo oferecia vinha sido adicionado com encenação e interpretação de papéis. Com tudo isso dois jovens game designers Gary Gygax  e David Arneson, os dois eram leitores aficionados pelas obras de fantasias literárias, baseado nas obras em que eles leram criaram o primeiro jogo que trouxe uma nova modalidade de jogo que ficaria popular focado no público infanto juvenil,  Dungeons and Dragons, que por aqui no Brasil foi marcado pelo famoso  Desenho Caverna do Dragão que passava nas manhãs da semana em programas infantis e foi assim que surgiu o primeiro jogo de RPG. 

Todavia você deve está se perguntando, por onde o vampiro se encaixa em tudo isso? Bom, a figura mitológica do vampiro  era mais inimigo que servia apenas como mais um da gama de monstros que foram inseridos para neste jogo, sempre referenciado como o Vilão principal de toda história exatamente inspirado na Fantástica obra do Bram Stoker, Drácula tanto que foi lançado um cenário de campanha especial focado num personagem famoso no universo de D&D, lançado em 1983 pela DSP com uma temática de Terror Gótico  Ravenloft.  

De Jogos em Tabuleiros para Coturnos, Sobretudos, Maquiagem. muito Punk e Gothic Rock 

Entre a década de 70 e 80 D&D era  o board game mais popular do momento no qual o jogo era praticamente uma febre, até teve uma referência no filme de Steven Spielberg E.T. O jogo consiste em um grupo de heróis interpretados pelos jogadores teriam que sobreviver as missões e após cumprirem com os objetivos, e cada  interpretava um personagem no qual ele pertencia a uma classe, e assim  jogador tinha que interpretar o seu personagem encaixado na história criado pelo Mestre do jogo que o condutor da narrativa e das ações dos jogadores. Ao final do jogo eles  são recompensados por tesouros, mais pontos de experiência e artefatos mágicos.

A ideia central do jogo, ainda era muito simples não havia sequer muito espaço para quebras da narrativas, muita interpretação dos jogadores, não havia guias de como interpretar o seu personagem, desenvolvimento de personagem, alternativas e excepcionalismo do jogador, sem falar que a  ênfase de toda aventura era sempre a mesma, heróis se juntam numa taverna, uma missão é dada a eles, se agrupam vão juntos ao encontro da aventurar nos calabouços, os heróis matam os monstros e coletam o prêmio e  assim o ciclo se repetia, jogadores receberam seus prêmios pela sua bravura. Tudo ainda estava muito novo para os jogadores de RPG, nenhum jogo ainda ofereceu a oportunidade de arranhar a superfície do que o Storytelling(a arte de contar histórias) tinha para oferecer era preciso adicionar um elemento teatral onde a narrativa flui de acordo com as ações dos personagens baseado na improvisação 

O público alvo deste jogos eram frequentados por  crianças e adultos, a sua maioria nerds dento de uma  faixa etária entre 12 e 20, um público bem jovem que usavam o jogo como forma de escapismo da realidade depois dos estudos e como naquela época se você era um deles, então seria alvo de piadas, gozações e chacotas. Você nunca iria andar com os garotos populares e ser convidado nas festas de debutante, nenhum dos garotos populares e descolados não  jogavam RPG.  

O D&D não tinha o monopólio neste mercado, existia outros jogos concorrentes que ofereciam um outro tipo de sistema e novos ambientes para a jogatina como por exemplo Gurps, o Chamado de Cthulhu, Champions e RuneQuest e isso continuou até os anos 90. Entretanto estaria para chegar um jogo daria uma cara nova para a comunidade do RPG, veio ecoando um grito de horror inspirado pelas lendas europeias exportado diretamente da contos góticos da Europa da era vitoriana de John William Polidori, Lord Byron, Bram Stoker e os filmes de horror nos anos 80 especialmente de vampiros como Garotos Perdidos, A hora do Espanto, Fome de Viver, Depois do Anoitecer e Retorno de Salem, os livros de vampiro da famosa escritora especialista no assunto Anne Rice o vampiro humanizado, sofisticado porém não tão benevolente com suas vítimas com a temática inspirada dos jovens rebeldes. Isto é Punk- gótico, isto é Vampiro: A Máscara. 

Lançado pela White Wolf uma empresa desenvolvedora de jogos de RPG que nasceu criando jogos de campanhas para o D&D com os amigos  Mark Hein Hack e Stewart Wieck lançado em 1991 uma obra que causou estardalhaço tão forte onde nem mesmo D&D sonhava ir mesmo com a febre infectando as crianças e adolescentes na América, um  impacto tão forte quanto que atingiu até o mainstream influenciando outras obras que viriam no futuro graças a ele.  

O jogo consiste na lenda do ser mitológico do Vampiro se originou desde a fábula do Gênesis na Bíblia Sagrada onde a maldição que começou com Caim filho de Adão e Eva que assassinou o seu irmão por não receber a graça do senhor pela sua oferenda, foi marcado e amaldiçoado para andar na terra eternamente sem nunca morte te tocar e foi expulso do paraíso para andar pela terra do Nod, e de lá ele encontro a primeira esposa de Adão, Lilith e acolheu ele e ajudou a despertar e assim ganhou as maldições que o ajudou a transformar em um vampiro. A maldição dele se alastrou durante toda a história da humanidade através de uma sociedade secreta organizada onde a sua existência serve de apenas dá continuidade, proteger a espécie vampírica e os seus segredos contra a humanidade, utilizando a eles como bonecos de corda ou até como gado influenciando ao seu bel prazer. Ambientado em um mundo Noir onde as maiores virtudes dos homens servem apenas para serem esmagadas. 

Vampiro: A máscara não é um jogo onde os jogadores trabalham em um grupo como uma equipe de heróis em busca pelo tesouro perdido, matar o vilão e salvar a princesa aprisionada no castelo negro no alto da montanha mais alta. Não, não é sobre conquistar a glória para se tornar o herói salvador do mundo e sim viver no mundo como uma criatura condenada viver eternamente se alimentando do sangue dos vivos e espalhando terror e caos numa guerra mais antiga do que você imagina entre duas facções políticas organizadas que brigam entre si numa guerra travada pelos anciões desde o início da história humana.  Em cada uma delas tem os seus devidos clans que as protegem e as clamam por fidelidade e servidão eterna.

    No meio deste conflito o jogador se vê numa encruzilhada que não importa o caminho que percorrer ele sempre o levará à perdição e assim lentamente irá consumir  o que ainda resta da sua humanidade se perdendo… até que, você se entregue de vez ao abraço desse espírito demoníaco que habita dentro de você chamado de A Besta. O jogo tem a proposta de o jogador interpretar o último forasteiro, que é o adjetivo que a autora Anne Rice deu para suas criaturas. 

O eu Poderoso, O Eu Sombrio tudo num só 

Carl Gustav Jung foi um renomado psicólogo suiço que viveu entre 1875 á 1961 ele teorizou sobre um conceito na psicologia  humana que é algo bastante comum, nos seres humanos que seria o “ Eu Sombrio”, ele consiste em um lado oculto que existe na psique humana. 

De acordo com o Jung, o seu “Eu Sombrio” representa os seus sentimentos reprimidos, negados ou desconhecidos do próprio indivíduo. Compostos  pelos sentimentos negativos como inveja, raiva, impulso sexuais, impulsos de cometer homicídios, atos de crueldade, esses sentimentos reprimidos que até mesmo rejeitamos para podermos viver entre a sociedade e não machucarmos outras pessoas. 

A integração da sombra é considerada um aspecto importante do processo de individuação e crescimento pessoal. Jung acreditava que ao reconhecer, aceitar e integrar os aspectos sombrios de nossa psique, nos tornamos pessoas mais completas e equilibradas.

É importante ressaltar que a sombra não é necessariamente “má” ou “negativa” em si mesma. Ela contém tanto aspectos negativos quanto positivos. A sombra também pode ser uma fonte de criatividade, energia e potencial não utilizado.

Explorar a sombra requer coragem, autoconsciência e trabalho interior. A psicoterapia, em particular a abordagem junguiana, pode ser útil para ajudar as pessoas a explorarem sua sombra e integrá-la de forma saudável. 

Então está no controle da criatura sobrenatural no que não está nem viva e nem morta, não é considerado um ser humano, mas a sua aparência continua sendo humana e você tem todas as emoções que uma pessoa adulta tem, portanto se você não considerado humano, mas mesmo parecido com ele fica mais se misturar entre a sociedade e ainda assim a moralidade e ética não atinge por que você não é mais humano e sim uma criatura da noite vestindo na pele do homem e nada há limites para a sua monstruosidade. 

Ao contrário da proposta feita do herói altruísta corajoso, de alma imaculada, forte, másculo e poderoso que ao puxar a sua capa e espada será o desbravador que tudo você pode superar a conquistar  tudo que esteja ao seu alcance e no final estará o tesouro e a donzela te esperando como o seu prêmio. Então o jogo criado pelo Mark Rein é a junção das duas coisas em uma única experiência no mundo moderno em ar de filme noir dos filmes franceses da década 30 e 50. 

Eu e meu grupo amigos descolados e estilosos

Com a proposta nova do jogo e a identidade visual do jogo refletindo o que os jovens na década de 90 que era o rock pesado da cena hardcore de Seattle junto a estética rock punk gótico logo atraiu um público que jamais sequer frequentou os eventos anuais de RPG e que estaria frequentando uma partida a de RPG. Adicionando até uma diversidade para o StoryTeller criando uma experiência única e imprevisível em que os nerds em sua típica timidez e pouca relação social não trariam o mesmo resultado em uma partida. Vieram os góticos da subcultura, Headbangers, Punks Anarquistas, Estudantes de teatro, Satanistas e um grupo de indivíduos que realmente se denominavam como Vampiros como uma se fosse uma religião e que com essa religião inspirou muito dos elementos do jogo. Muitos que entraram para o grupo acabaram conhecendo uns aos outros e assim havendo esse intercâmbio de convivência, troca de conhecimento e experiência de vida não me arrisco a dizer que muitos que eram adeptos ao RPG se encontraram com essa junção de tribos urbanas que habitavam em uma mesa numa partida de RPG. Com isso só enriqueceu mais ainda a experiência de se jogar adicionando mais diversidade de gêneros,estilos, religião e filosofia de vida.  O que atraiam esses grupos era a simplicidade da mecânica no qual ajudava a fluidez da narrativas e o marketing do Power fantasy  no qual antes era o guerreiro forte inspirado no Conan o Bárbaro no qual era um figura que explodia masculinidade excessiva e sex appeal no mundo medieval fantasioso, para  interpretar a figura enigmática, sedutora dos filmes de terror e poderosa no mundo moderno ao som de Bauhaus. 

Com a chegada desse novo público popularizando a nova modalidade de se jogar que existe desde a década de 70, a chamada  O Live Action Role Playing, no qual consiste que a narrativa seja contada exatamente como se fosse numa peça de teatro com atores sendo os jogadores o mestre sendo o diretor, produtor e escritor da peça porém sem script tudo na base do improviso e da imaginação. O sucesso do Vampiro: A máscara se espalhou pelos 5 continentes, existem até eventos próprios de partidas Live Action, uma recentemente aconteceu em Austin Texas chamada The Night in Question, A End of Line que fez uma tour por Helsinki, Nova Orleans e agora em Berlin e a Convecção de Espinhos  que a próprio estúdio promove o evento entre os fãs ensaiando um evento histórico muito importante na história do jogo. Aqui no Brasil temos o RGBN na cidade de Rio Grande no RS e o Curitiba By Night.

Não foi à toa também que a comunidade vampírica saiu das sombras se infiltrando no meio da cena da Subcultura gótica americana e utilizaram o jogo como meio de comunicação com outras tribos para que o conhecimento adquirido pela comunidade vampírica se espalhar, crescer e diversificar.  Após que a comunidade foi crescendo e se espalhando pelo continente afora, nos EUA está concentrada na cidade de New Orleans um Clan chamado “Sabertooth Clã” liderado pelo Father Sebastiaan um dentista que constrói próteses dentárias personalizadas de vampiros. No  Brasil ela está mais representada pelo Axikerzus Sahjaza mais conhecido pelo Lord A que é autor de dois livros como Mistérios Vampyricos e Coleção Sobrenatural: Vampiros, fundador da Rede Vamp o maior portal da comunidade Vampira do Brasil, DJ, Filantropo e promotor de eventos.  

Vampiros no Mainstream 

O sucesso do jogo foi enorme bem mais do que se imaginava, não era de surpreender como todo produto de sucesso que ele fosse adaptado para outras mídias como por exemplo: Livros, quadrinhos, video game, séries de Tv, Jogos de tabuleiro, Jogo de Cartas e Música. 

Na Música a própria White Wolf decidiu produzir um CD de música que seria de acompanhamento das partidas de RPG. Compraram direitos autorais de músicas de vários grupos da cena gótica como CruxShadows, Bella Morte, Paralyse Age, Nosferatu, Seraphim Shock, Diary of Dreams, The Mission, Kristen young, Wench, Carfax Abbey, Beborn Betton e NeuroActive. Cada música representa um clan do jogo e sendo a playlist do Dj Damascus trilha sonora do Clube Succubus que é um local fictício dentro do universo de Vampiro: A Máscara.

No mesmo ano a White Wolf ao ingressar o seu mundo para atrair a atenção da comunidade gamer, eles lançam o Vampire The Masquerade:Redemption desenvolvido pela Nihilistic Software VTM:R a primeira tentativa da White wolf em adaptar o jogo em vídeo game, O jogo consistia na história de um Cruzado Francês no período das cruzadas no século 12 chamado Christopher Romuald que foi ferido em batalha, depois transformado em Vampiro pelo Clã Brujah que o introduziu para o mundo das trevas. Um RPG de ação em perspectiva em terceira pessoa onde o jogador não só controlava o protagonista, mas como também outros companheiros para ajudar nas missões do jogo. No seu lançamento ele teve uma recepção muito binária, alguns gostaram muito devido as mecânicas e se parecer muito com o jogo de rpg de ação chamado Diablo,a história e o diálogo, outros disseram que infelizmente foi uma transição muito precária onde nem sequer ofereceu 1% da experiência que o próprio RPG oferecia comparando como sendo uma versão medíocre de  Clone do Diablo 2 com problemas de balanceamento dos inimigos e dificuldade escalafobética desequilibrada. O jogo foi uma  superprodução tanto que a trilha sonora é composta por grupos famosos da cena gótica como Type o Negative, Ministry e Darling Violetta. A White Wolf não parou por aí, em 2004 lança a continuação chamada Vampire The Masquerade:Bloodlines desenvolvido pela Troika Games o jogo saiu exclusivamente para PC, no entanto infelizmente no seu lançamento ele foi um fracasso em vendas e pelas críticas o jogo apresentou muitos  bugs e algumas mecânicas estavam quebradas e desniveladas, sem falar que pela ambição que o jogo estava sendo desenvolvido naquela época era bem desafiador e o time de desenvolvedores fizeram de tudo, sem falar que a distribuidora Activision pressionava o estúdio com prazos muito apertados por isso, o jogo saiu incompleto devido ao contrato que o estúdio tinha para o uso do motor gráfico com a Valve dizia que o jogo deveria sair depois do lançamento oficial de Half-life 2, e pra dificultar mais as coisas o jogo foi lançado na mesma semana que outros jogos de peso saindo na mesma semana. Entretanto, apesar de todas as dificuldades e das duras críticas da mídia gamer o jogo ao longo do tempo é considerado um produto cult pelas suas mecânicas que na época eram muito inovadoras, a indústria de video game estava observando o potencial que a experiência de um jogo de RPG poderia proporcionar adicionando a experiência visual que jogos de vídeo tem, já que o RPG é jogado apenas pela imaginação. A liberdade que uma partida de RPG de mesa oferece ao jogador sem seguir um script como explorar o cenário por soluções alternativas, interpretar o personagem de acordo com sua alinhamento, gerar novas histórias paralelas e etc.  Com o potencial que este jogo oferece gerou uma comunidade dedicada em modificá-lo e consertar os bugs apresentados desde o seu lançamento e aprimorá-lo, até hoje é lançado novas modificações para este jogo, desde até novas missões, novos fases e novos personagens e clãs para jogar. Recentemente a uma revista especializada em video game chamada GAME INFORMER apresentou uma lista dos 100 maiores jogos de RPG de todos os tempos Vampire The Masquerade Bloodlines se encontra no antepenúltimo lugar da lista e mérito que pouquíssimos jogos conseguem e muito bem merecido.

Em 1996 a White Wolf querendo expandir o Mundo Das Trevas para a televisão, junto com o produtor Aaron Spelling e a Fox decidiram produzir uma série chamada Kindred: The Embraced, a história se passava em Nova York onde um Detetive Chamado Frank Konakek está numa investigação de uma onda de crimes que está ligado ao Julian Luna e o policial  descobre que ele é um Vampiro do Clã Ventrue e se ver  numa guerra entre facções de vampiros  que manipulam os humanos para conseguir o que querem. Infelizmente a série só teve uma temporada já que o público alvo não era o público nicho que realmente jogava o RPG e conhecia o universo, com isso o público não se importava muito com os personagens e a narrativa das histórias mais parecia uma série sobre uma máfia com vampiros ao invés de ser uma história de Horror pessoal onde uma sociedade organizada de vampiros se esconde para manipular a humanidade junto com a temática punk-gótico. A série estava se desviando da proposta do RPG e a audiência era bem abaixo do que se esperava e produtora FOX estava decidindo cancelar, e pra piorar o Ator Mark Frankel que interpretava o vampiro príncipe morreu em acidente de moto.

Nunca sequer houve tentativas de interesse em adaptar o universo do RPG para as telas do cinema, com a experiência do fracasso da série os motivos dessa chance disso acontecer eram improváveis, entretanto ela já atrai os olhares dos produtores de cinema de Hollywood, Em 1998 a Marvel Studios  com a sua primeira adaptação dos quadrinhos Blade: O caçador de Vampiros tinha fortíssima inspiração nos na artes do Tim BradStreet ilustrador das Artes do jogo, uma o produtor ligou para ele e confessou que seu material serviu muito para produção do filme. Quando lançaram a sequência Blade 2, o próprio diretor Guillermo Del Toro ligou para o Tim dizendo que mais uma vez o seu trabalho serviria de inspiração e que desta vez eles pagariam por ele pelos direitos de uso.  

Em 2006 foi lançado o  primeiro filme, Anjos da Noite que futuramente seria uma franquia de cinema de sucesso, entretanto as semelhanças entre o plot do filme e o universo criado pela White Wolf eram quase que 80% confirmados. A produtora do filme lançou o  sem o licenciamento da produtora do jogo e percebeu que o plot era muito parecido com uma história publicada pela Nancy Allen chamada The Love of Monsters então a produtora alegou que o filme estaria plagiando e cometendo 17 violações de direitos autorais. O acordo pago pelas duas produtoras nunca foi divulgado oficialmente, mas mesmo assim a produtora do filme não deixou de produzir outras sequências do filme. Após isso apareceu produções que no pensamento dos produtores do jogos não estavam mais fingindo que copiavam nas obra da White Wolf foram produzidas como o seriado True blood que citava elementos que eram do universo do RPG, a franquia de livros e filmes Crepúsculo, a série Sobrenatural muito inspiradas nos livros jogos do Hunter: The Reckoning, Demônio: A queda e Mago: A Ascensão. A série Os Originais e Teen Wolf. Hollywood copiava de forma descarada e sem pudor todo o material da White Wolf e nunca sequer cederam direitos o seus devidos direitos autorais

Nem todos os vampiros são góticos, mas nem todos os góticos são vampiros?

Para que fique bem claro como um copo de água potável o autor desta matéria que você está lendo tem todo o conhecimento e a plenitude ciente que a figura mitológica criado em torno do vampiro não faz parte diretamente da Subcultura gótica ele é apenas uma figura que serviu de tendência para a influência de movimentos artísticos e composições musicais, trazendo elementos do horror macabro nas canções e inspirado no visual vitoriano na moda.  O vampiro serviu de fortíssima inspiração para a subcultura gótica, no entanto mesmo ele não fazer parte dentro dela a temática horror macabro que a figura se envolve não define exatamente o que a subcultura é em sua essência. Sim por mais que isso soe hipócrita, pomposo e confuso é perfeitamente normal se sentir confuso, isto até para quem participa na subcultura há mais de uma década é bastante confuso, imagine agora para o leitor leigo?

Portanto negar o impacto que a White Wolf produziu  com uma obra que tão bem escrita e contextualizada com o cenário sócio-político das década de 80 e 90 onde  ele se passava redefinindo a figura mitológica da criatura mais popular das histórias de terror, não só como uma besta fera a ser conquistada, mas sim como uma sombra que se infiltrou na sociedade humana articulando os rumos da história humana numa ambientação de Neo Noir Punk Gótica,aproveitando o surgimento do movimento punk e da ascensão da subcultura vindo da inglaterra junto com a cultura das boates noturnas. A figura do vampiro não faz parte da subcultura, porém as figuras que surgiram de obras literárias do Terror Gótico serviram de base para o surgimento desta subcultura, afinal o gótico pertence a subcultura, sem o gótico não há subcultura gótica, isto é óbvio.

White Wolf simplesmente não criou esta obra a toa ela como uma produtora de jogos possuem a habilidade do Storytelling em se tornar o observador do ambiente que o cerca de acordo o tempo e espaço em que ele se encontra, com isto criar os elementos para a sua história  que te servirão de inspiração para sua narrativa. Tudo que que é característica apresentada pelo Vampiro é bastante similar ao comportamento social entre as tribos urbanas como punks, metaleiros, clubbers, skinheads, Rappers proporcionando interação social e singularidades que ajudaram as a se infiltraram em seus respectivas grupos com suas respectivas subculturas que mais se identificaram, um grupo com muitos indivíduos resulta em mais experiências sociais, e quanto mais experiência sociais este grupo tem mais ele proporciona riqueza cultural, e a sociedade se transforma culturalmente. Tanto um como outro se inspiraram mutuamente e juntos alcançaram que os dois desejavam agregar o maior número de pessoas para diversificar e agregar novas experiências, e claro apoiar bons projetos. Negar a contribuição que a White Wolf fez para esta subcultura tão querida seria simplesmente negligência para os participantes e representação de um sentimento elitista e prepotente. 

 

*sou originalmente de Natal, Rn. Atualmente estou em SP tentando ganhar a vida e construir a minha vida por aqui. Tenho 36 anos, sou jogador de RPG há anos, pertenço a subcultura gótica e tenho muito apreço a ela. Adoro escrever e realizar artigos e tudo relacionado a horror, fantasia e subcultura gótica.


A REPRESENTAÇÃO DE BARBARA EM NIGHT OF THE LIVING DEAD, ORIGINAL (1968) E REMAKE (1990)

Stefany Sohn Stettler*

“Você me disse para lutar, e é isso que estou fazendo. Não estou entrando em pânico” (NIGHT…, 1990, tradução minha). É assim que a protagonista feminina Barbara responde Ben no remake de 1990 de Night of the Living Dead, dirigido por Tom Savini e roteirizado por George A. Romero. Este comportamento decidido da personagem define uma das duas principais diferenças entre o original e o remake. O desfecho do filme, que no original tem fortes conotações raciais, e que no remake se suaviza, é a segunda principal mudança nos 22 anos que separam os dois longa-metragens.

A incisividade de Barbara aparece já nos minutos iniciais do filme de 1990, quando ela briga com seu irmão de forma mais agressiva e o xinga: “bastard!”. Seu figurino também expressa esta nova caracterização da personagem: em 1968, um vestidinho curto, um sapato de salto médio e um sobretudo claro, delicadamente amarrado para destacar sua cintura; em 1990, uma saia rodada longa, uma camisa folgada, abotoada até o pescoço e finalizada com um laço, um suéter de tricô e uma sapatilha, que durante o filme foram substituídos por uma calça militar e coturnos de combate, pela iniciativa da própria Barbara. Uma troca de roupas suave acontece também em 1968, quando Ben encontra sapatos e os calça em Barbara, que está em estado semi-catatônico, porém o remake dá um sentido ao figurino que em 1968 não existe, a não ser para reforçar a incapacidade da personagem.

Os cortes de cabelo, embora também expressões da moda nas épocas dos filmes, têm significado: a Barbara de 1968 tem cabelos loiros de comprimento médio, presos elegantemente com uma faixa e um pequeno volume no topo da cabeça. Este estilo de cabelo, usado nos anos 1960 por mulheres como Raquel Welch, Jane Fonda e Brigitte Bardot, carrega a conotação de feminilidade. Já a Barbara de 1990 tem cabelos ruivos pixie, uma marca dos anos 1960 que estava sendo retomada no final dos anos 1980, o que também representa de forma competente o remake, um filme que retoma um clássico da mesma época. Além disso, a Barbara de 1990 usa óculos, que frequentemente representam inteligência. Vale pontuar que a personagem é a única que utiliza óculos no longa-metragem e a única que sobrevive à noite.

Quando a personagem é atacada pelo primeiro zumbi, em 68, ela clama por seu irmão, que corre para socorrê-la; em 90, ela também luta contra o morto-vivo e o ataca com um adereço destinado ao túmulo que estava visitando. A Barbara de 1968 não é capaz de defender-se quando um zumbi invade a casa no primeiro ato do filme, enquanto ela se lamenta dramaticamente pela morte de seu irmão. A kill count de Barbara de 1990 é de nove zumbis e Henry, que nesta interpretação, é o real vilão do filme. Esse número representa 25% de todas as mortes do filme. É ela que, entre a disputa territorialista de Ben e Henry, um defendendo o porão e outro o primeiro andar da casa, oferece a verdadeira saída:

BARBARA: Eles são tão devagares. Poderíamos simplesmente passar por eles, nem precisaríamos correr. Poderíamos simplesmente passar por eles. Temos as armas, se formos cuidadosos, podemos escapar. Você me disse para lutar, e é isso que estou fazendo. Não estou entrando em pânico. Este lugar não é seguro, nem no andar de cima nem no de baixo. Devemos partir antes que seja tarde demais (NIGHT…, 1990, tradução minha).

No processo de selar a casa com madeiras nas portas e janelas, um zumbi consegue forçar uma das entradas que não estavam presas, os sobreviventes Ben, Judy e Barbara tentam empurrá-lo para fora sem sucesso. Ben então solta a madeira com a qual tentavam expulsar o zumbi e este cai no chão da casa. Judy grita para não atirarem, pois era um vizinho dela. Barbara saca a espingarda e atira na cabeça do morto-vivo e Judy, aos gritos de pânico, acusa a atiradora de matar alguém que ela conhecia. Em seguida um novo zumbi invade pelo mesmo espaço deixado pelo agora cadáver na sala. Barbara dispara três tiros no torso do zumbi, perguntando a cada vez “ele está morto?”.

BEN: Pare com isso. Você está ficando louca, garota. Está perdendo a cabeça!

BARBARA: Você acha mesmo? [atira na cabeça do zumbi] Tudo o que perdi, perdi há muito tempo e não planejo perder mais nada. Você pode falar comigo sobre perder a cabeça quando vocês pararem de gritar um com o outro como um bando de crianças de dois anos (NIGHT…, 1990, tradução minha).

A Barbara de 68, completamente em choque, mal se move, mal fala e quando fala, para explicar como havia chegado na casa, seu discurso é errático e envolve detalhes irrelevantes:

BARBARA: Estávamos andando pelo cemitério. Johnny e eu. Johnny… Nós… nós viemos colocar uma coroa no túmulo do meu pai. Johnny e… e ele disse, “Posso pegar um doce, Barbara?”. E nós não tínhamos nenhum. E… Ah, está quente aqui. Quente… E ele disse, “Ah, está tarde, por que começamos tão tarde?”. E eu disse “Johnny, se você tivesse acordado mais cedo, não estaríamos atrasados”. Johnny me perguntou se eu estava com medo. E eu disse “Não estou com medo, Johnny”. E então esse homem começou a caminhar pela estrada. Ele veio lentamente, e Johnny ficava me provocando e dizendo, “Ele está vindo te pegar, Barbara”. E eu ri dele e disse, “Johnny, pare com isso”. E então Johnny saiu correndo. E eu fui até esse homem, e eu ia pedir desculpas, E eu olhei para cima, e disse “Boa noi…” E ele me agarrou! Ele me agarrou! E ele rasgou minha roupa! Ele me segurou e rasgou Minhas roupas! (NIGHT…, 1968, tradução minha).

Seu final original é trágico: ao avistar o agora zumbi Johnny invadindo a casa, já no terceiro ato do filme original, Barbara corre para abraçá-lo e assim, é levada para fora pelo seu irmão zumbificado e outros zumbis. No remake de 1990, ela é a única sobrevivente. Em Men, Women and Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film (1992), Carol J. Clover cunhou o conceito da Final Girl: inicialmente um conceito dos filmes do tipo slasher, nos quais a última e única sobrevivente é uma mulher que confronta o vilão e pode ou matá-lo, ou ser salva por outro personagem “de fora” – um policial, por exemplo. Neste sentido, Barbara é uma final girl, apesar de Night of the Living Dead não ser um slasher, mas, de acordo com Romero, um splatter. A última e única sobrevivente, salva por outro grupo e que, ao voltar à casa que deixou no final da noite, descobre Harry ferido, mas vivo, no segundo andar da casa – não sem antes de se deparar com um Ben zumbificado – e o mata com um tiro à queima-roupa na cabeça, segundos antes dos seus colegas sobreviventes a encontrarem e ouvirem: “Tem mais um para a fogueira” (NIGHT…, 1990, tradução minha).

O remake de 1990 foi dirigido por Tom Savini, ator, dublê, diretor, maquiador e parceiro de longa data de Romero em projetos como Dawn of the Dead (1978), Creepshow (1982), Day of the Dead (1985) e Monkey Shines (1988). O roteiro do original, escrito por Romero e John Russo foi revisitado e reescrito pelo próprio Romero, além de Russo ter participado da produção do remake. Isto o torna um remake muito mais competente, se comparado com Dawn of the Dead (2004), de Zack Snyder, mas também muito mais interessante, pois levanta a pergunta: “por que Romero quis reescrever Night of the Living Dead, visto que o filme foi um sucesso de bilheteria – rendeu 30 milhões de dólares, apesar de ter sido produzido com apenas 115 mil dólares – e se tornou um clássico quase instantaneamente?”. Barry Grant (2015, p. 230, tradução minha) busca responder esta questão:

A visão cínica seria que o diretor está explorando seu próprio passado de sucesso, alimentando-se de si mesmo como uma variação irônica de suas próprias criaturas horríveis, em uma tentativa calculada de fortalecer uma carreira em declínio. […] Mas assim como certos autores retornaram aos seus mundos fictícios e, ao longo do tempo, aprofundaram seus personagens e temas […] aqui Romero retorna à sua narrativa original de zumbis e cria uma visão politicamente progressista mais do que no original, especialmente em termos das questões feministas levantadas pela influência do primeiro “A Noite dos Mortos-Vivos” no desenvolvimento subsequente do gênero.

A nova versão, surpreendentemente menos gore que sua original, foca mais nas relações pessoais: o tempo dedicado para as notícias de TV ou rádio diminui, a relação entre o casal Harry e Helen se intensifica, dessa vez incluindo agressão física e Barry Grant (2015) ainda afirma que a tensão racial entre Ben e Harry fica mais explícita, mas eu discordo. Dado o contexto histórico dos dois filmes, a cena contida no original na qual Ben agride Harry, que cai, apenas para levantá-lo e agredí-lo novamente, além do trágico final de Ben no filme de 1968, no qual sobrevive a noite apenas para ser morto por uma milícia de rednecks, tornam o filme original muito mais carregado de tensão racial que o remake.

A segunda onda feminista, localizada entre as décadas de 1960 e 1980, foi um movimento de mulheres – em princípio, brancas – que protestavam contra a a reinscrição da mulher no cenário doméstico após a Segunda Guerra Mundial, contra a desigualdade salarial, pelos direitos reprodutivos e, o mais importante para o meu argumento, contra a representação da mulher na mídia, que era caracterizada como passiva, irracional e emocionalmente vulnerável, exatamente como a Barbara de 1968. A Judy do original também age de forma impulsiva – ou seja, irracional – quando Tom e Ben saem em busca de gasolina, quase custando a vida de Ben. Considerando que um dos livros mais memoráveis da Segunda Onda, A Mística Feminina, de Betty Friedan, foi publicado em 1963, a Barbara de Night of the Living Dead original já deveria ter sido representada de outra forma. 

Laura Mulvey escreve, na crista da Segunda Onda Feminist, o texto Visual Pleasure and Narrative Cinema (1975 [1989]), no qual analisa a posição da mulher no cinema a partir de uma perspectiva psicanalítica:

A imagem das mulheres como material (passivo) para o olhar (ativo) do homem leva o argumento a um passo adiante na estrutura da representação, adicionando mais uma camada exigida pela ideologia da ordem patriarcal, conforme é trabalhada em sua forma cinematográfica favorita – o filme narrativo ilusionista (MULVEY, 1989, p. 25, tradução minha).

Para a autora, a representação da mulher no cinema significa castração, e por isso sua imagem precisa passar por certos filtros que amenizam esta ameaça para uma audiência masculina, especialmente um tratamento no qual a mulher é objetificada e fetichizada, controlada e punida, de forma que o risco de sua exposição possa ser transformado em prazer por uma audiência patriarcal. Em From Reference to Rape (1974 [2016]), Molly Haskell afirma que a década de 1960 no cinema foi uma retaliação pelo crescente poder do movimento feminista:

Do ponto de vista das mulheres, os dez anos a partir, digamos, de 1962 ou 1963 até 1973 foram os mais desanimadores na história do cinema. Nos papéis e na visibilidade concedida às mulheres, a década começou de forma pouco promissora, piorou constantemente e, atualmente, não mostra sinais de melhora (HASKELL, 2016, não p., tradução minha).

Para a autora, o colapso do sistema de “estrelas” da indústria cinematográfica tirou o poder das mãos das atrizes e o colocou nas mãos dos diretores, que desenhavam papéis, em sua maioria, degradantes: “Prostitutas, quase prostitutas, amantes abandonadas, emocionalmente perturbadas, alcoólatras. Ingênuas doidinhas, Lolitas, malucas, solteironas famintas por sexo, psicóticas. Icebergs, zumbis e dominadoras” (HASKELL, 2016, não p., tradução minha).

Intencionalmente ou não, Romero fez uso desta mudança estrutural cinematográfica: conseguiu seu prestígio como diretor, que não muito antes pertencia às estrelas dos filmes e, pelo menos em Night of the Living Dead (1968) – ainda que nas sequências Dawn of the Dead (1978) e Day of the Dead (1985) tenha produzido filmes com papéis femininos menos estereotipados –, suas personagens femininas são decepcionantes. Barbara, a mocinha inocente irracional e semi-catatônica; Judy, a amante dedicada que para seguir seu homem, quase custa a vida de outro e; Helen, a pobre esposa submetida à tirania do marido.

No remake, contudo, Romero aproveita a oportunidade de catapultar ainda mais seu prestígio, ao mesmo tempo que corrige os erros do passado: as alterações feitas no roteiro criticam com mais força a territorialização e a disputa entre homens, criticando a masculinidade irracional, além de dar mais autonomia à Helen, que desobedece o marido para procurar as chaves da bomba de gasolina; dá à Judy uma reescrita mais digna da cena da bomba de gasolina e; transforma Barbara em uma badass, que tem agência, racionalidade e recusa a tomar lado nas disputas de Harry e Ben, escolhendo seu próprio caminho e sendo a única bem sucedida, uma final girl do splatter.

REFERÊNCIAS

CLOVER, Carol J. Men, Women, and Chain Saws: Gender in the Modern Horror Film. Nova Iorque: Princeton University Press, 2016.

CREEPSHOW. Dirigido por George A. Romero. Estados Unidos: United Film Distribution Company, Laurel Show, Inc., 1982 (120 min.).

DAWN of the Dead (Despertar dos Mortos). Dirigido por George A. Romero. Estados Unidos: Laurel Group, 1978 (127 min.).

DAWN of the Dead (Madrugada dos Mortos). Dirigido por Zack Snyder. Estados Unidos: Strike Entertainment. 2004 (100 min.).

DAY of the Dead (O Dia dos Mortos). Dirigido por George A. Romero. Estados Unidos: Dead Film Inc, 1985 (100 min.).

FRIEDAN, Betty. A mística feminina. Trad. Carla Bitelli, Flávia Yacubian. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2021.

GRANT, Barry Keith. Taking Back the Night of the Living Dead: George Romero, Feminism, and the Horror Film. IN: GRANT, B. K. (Ed.) The dread of Difference: Gender and the Horror Film. Austin: University of Texas Press, 2015.

HASKELL, Molly. From Reverence to Rape: The Treatment of Women in the Movies. Chicago/Londres: The University of Chicago Press, 2016.

MONKEY Shines. Dirigido por George A. Romero. Estados Unidos: Orion Pictures, 1988 (113 min.).

MULVEY, Laura. Visual pleasure and narrative cinema. IN: MULVEY, L. Visual and other pleasures. Londres: Palgrave Macmillan UK, 1989. p. 14-26.

NIGHT of the Living Dead (Noite dos Mortos Vivos). Dirigido por George A. Romero. Estados Unidos: Image Ten, 1968 (96 min.).

NIGHT of the Living Dead (Noite dos Mortos Vivos). Dirigido por Tom Savini. Estados Unidos: 21st Century Film Corporation, Menahem Golan Productions, 1990 (88 min.).

*Stefany S. Stettler é bacharela e licenciada em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, pesquisa sobre cinema de zumbis desde 2019 e possui um zine publicado pela N-1 Edições


Sugestão e exposição: as diferenças temáticas e narrativas entre as duas versões de Cat People

Daniel Medeiros*

Resumo: O objetivo desse artigo é observar as semelhanças e as diferenças entre as duas versões de Cat People, identificando o contexto em que cada obra foi produzida e como tais similaridades e diferenças se relacionam com as temáticas pertinentes à época das suas produções.

Introdução – partindo do mesmo ponto

Lançado em 1942, Cat People, ou Sangue de Pantera como ficou conhecido no Brasil, é uma produção de terror dirigida por Jacques Tourneur e produzida por Val Lewton. Já o seu remake chegou aos cinemas 40 anos depois, com o título nacional A Marca da Pantera e direção de Paul Schrader. Ambos os filmes partem da mesma premissa: uma jovem, virgem, chamada Irena se muda para a cidade grande. Lá, ela se apaixona e inicia um relacionamento com um homem chamado Oliver. Porém, ela teme que a consumação desse amor liberte uma antiga maldição do seu povo, fazendo-a se transformar em um enorme felino.

Existem diversos pontos de convergência entre as duas obras. Um deles é a presença de um zoológico que desempenha função essencial na narrativa. Há ainda a figura de uma mulher misteriosa, e de aparência felina, que se aproxima da protagonista em determinado momento e a chama de “irmã”. Além disso, sequências inteiras também são apresentadas de maneira idêntica, como o momento em que a amiga de Oliver, que claramente nutre um sentimento amoroso por ele, é perseguida através de ruas escuras pela esposa ciumenta.

Apesar das semelhanças, as duas obras são bastante distintas entre si, especialmente na maneira como abordam o tema do sexo

Direções opostas

Insinuações sexuais são frequentes em Sangue de Pantera. Desde o momento em que Irina convida Oliver para subir para seu apartamento (apenas para tomar um chá), passando pela cena em que os dois aparecem deitados, relaxados, apreciando o ar noturno (como se tivessem acabado de fazer amor), e culminando no desejo explicitado por Irena de “ser a Senhora Reed de verdade”, o filme movido por um desejo sexual nunca concretizado. Diante da sua impossibilidade de consumar o ato (afinal, um mero beijo já seria capaz de transformá-la em uma criatura sanguinária), Irena deixa que sua própria frustração sexual dê lugar ao sentimento de ciúmes. Ou seja, a ciúme se torna a sua força transformadora.

Já A Marca da Pantera é muito mais explícito. O filme é repleto de cenas de nudez e de sexo. A obra também muda algumas regras. Agora, o desejo sexual ou o ciúme não são suficientes para gerarem a transformação; apenas o ato sexual propriamente dito a causa. E para reverter a transformação, é preciso matar alguém, ou a pessoa ficará presa para sempre na sua forma animal.

Além da mudança no funcionamento da maldição, no remake Irena tem um irmão que também partilha do mesmo mal que a aflige. A presença desse irmão altera a dinâmica da história, visto que a transformação felina deixa de ser uma questão exclusivamente feminina para ser uma questão familiar. Já o tema da sexualidade ganha uma nova conotação de complexidade ao ser adicionada também a temática do incesto. Afinal, dentro dessas novas regras, a única maneira de as pessoas afligidas com esse mal poderem liberar seus desejos sexuais sem se transformarem é se fizerem sexo entre si.

Com isso, ficam evidentes as maiores diferenças entre as duas obras. Enquanto uma priorizava a sugestão, a outra é muito mais explícita. Enquanto em uma o desejo sexual é suficiente para causar a transformação, na outra é a satisfação desse desejo que causa a mudança. Ou seja, a repressão sexual, na década de 1940, não era suficiente para frear o avanço da ameaça, enquanto na década de 1980 essa mesma repressão é vista como a única salvação dos demais personagens.

Diante dessas diferenças, cabe analisarmos o contexto em que os filmes foram realizados.

O terror dos anos 1940 vs o terror dos anos 1980

Sangue de Pantera foi produzido numa época em que o cinema de terror não estava interessado em assustar. A guerra já causava medo suficiente. Não por acaso, os grandes monstros do estúdio Universal, que aterrorizaram toda uma geração na década anterior, perderam seu impacto e acabaram migrando para a comédia, em filmes como Às Voltas com Fantasmas (Bud Abbott and Lou Costello Meet Frankenstein, 1948). Havia, portanto, uma lacuna de produções de gênero que refletissem o lado mais sombrio da humanidade, em vez de ignorá-lo.

Essa lacuna foi preenchida pelo produtor Val Lewton, que assumiu a divisão de terror do estúdio RKO. Causando uma verdadeira revolução no gênero, o produtor realizou uma série de filmes extremamente influentes, como A Morta-Viva, O Homem-Leopardo e Sangue de Pantera. Em comum, essas obras se caracterizaram pela sua sugestividade. São filmes em que o terror não é explicitado, mas escondido. Filmes em que cabe ao espectador preencher as lacunas propositalmente deixadas pelos realizadores.

Não só isso, mas os filmes de Lewton costumavam abordar temas pouco explorados pelo gênero. Conforme mencionado antes, Sangue de Pantera é, em sua essência, um filme sobre repressão sexual e sobre como essa repressão se manifesta de maneira incontrolável. A verdadeira vítima, portanto, não é a pessoa atacada, mas aquela que é forçada a atacar por conta de uma condição que está além do seu controle.

O tema da repressão sexual só entrou em evidência nas décadas seguintes, principalmente por causa da revolução sexual, que atingiu seu ápice na década de 1960. Depois disso, o cinema se sentiu mais “à vontade” para tratar de temas que Val Lewton já abordara décadas atrás.

É fácil entender, portanto, porque A Marca da Pantera trata da temática sexual de maneira mais explícita. Não apenas o filme foi feito numa época em que sexo já havia deixado de ser um tema tabu (e passou a ser explorado extensamente pelo terror), mas ele foi produzido após o fim do Código Hays, um código de conduta que regeu Hollywood por mais de três décadas e que proibiu o uso de diversas temáticas, incluindo sexo e violência. Após o fim do Código, o cinema de terror ficou muito mais brutal e muito mais explícito. Aquilo que antes era apenas sugerido passou a escancarado para o espectador.

Conclusão – finais diferentes

As diferenças também são notáveis na maneira como cada filme encerra sua narrativa. Enquanto em Sangue de Pantera, a protagonista morre, em A Marca da Pantera ela fica para sempre presa na sua forma animal, domada dentro do zoológico onde seu namorado trabalha. Tais finais são significativos de maneiras distintas. Pois se a morte de Irena representa o resultado trágico de décadas de repressão sexual, seu aprisionamento no remake representa um alto grau de moralismo, pois mostra como a sociedade é incapaz de aceitar a liberdade sexual, e prefere, em vez disso, puni-la. A punição do sexo, por sinal, é um tema recorrente dentro do terror da década de 1980 (assassinos como Jason Voorhees, Michael Myers e Freddy Krueger tinham a tendência a priorizar jovens sexualmente ativas).

Esse talvez seja o maior ponto de divergência entre as duas obras. Enquanto o original foi contra as temáticas regentes na sua época, o remake navegou na onda da sua. Em outras palavras, Sangue de Pantera antecipou muitos dos temas que se tornaram vigentes depois, e A Marca da Pantera apenas refletiu o que já estava sendo feito. É por isso que A Marca da Pantera é um bom filme de terror, mas Sangue de Pantera é um verdadeiro clássico, um filme que, nas palavras de Martin Scorsese, foi “tão importante quanto Cidadão Kane para o desenvolvimento de um cinema americano mais maduro”.

*Daniel Medeiros é membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (ABRACCINE) e pesquisador sobre o cinema de terror. É graduado em Cinema e Vídeo, mestre e doutor em Ciências da Linguagem. Seu objeto de pesquisa é o cinema de terror contemporâneo.


É horror ou terror?

Euller Felix* Acredito que não seja exagero dizer que muitos dos fãs do gênero já tenham se perguntado a diferença entre os filmes e as definições de “horror” e “terror”. Já ouvi e li em alguns grupos que no final das contas é tudo a mesma coisa, em outros momentos já ouvi que são coisas…


“You can’t tame what’s meant to be wild”: interditos de sexo e morte no subgênero dos filmes de lobisomem

Giovanna Venturini*

Quando analisamos o cinema de horror e seus diferentes subgêneros, um chama a atenção por seu fascínio e longevidade: há décadas e décadas, produzimos filmes de lobisomens. Os anos passam, e sempre temos novas histórias de lobos para contar. Por que nos atraímos tanto por este tema? O que nos fascina nas fronteiras entre o humano e o bestial? Este texto busca explorar estes limites, e entender que tipo de monstro nasce destes encontros. Talvez já esteja evidente, mas fica o aviso: aqui há lobos.

Esta limiaridade entre humano e animal é um tema recorrente para diversos autores das humanidades que buscam entender as formas pelas quais organizamos nosso mundo. Segundo Georges Bataille, um dos principais pontos da existência humana é sua descontinuidade: nascemos e morremos sozinhos, cientes deste fato em meio a uma natureza que não se importa com nossa individualidade – algo de velho tem que morrer para que o novo nasça; e este ciclo eterno não para por qualquer motivo que seja. Este movimento é percebido por nós como uma violência e, a fim de proteger nossa própria organização de mundo, criamos os interditos: uma espécie de tabu que envolve as partes mais irracionais de nosso ser e que mais estão relacionadas a esta natureza violenta; tudo aquilo que nos lembra da descontinuidade de nossa existência nesse ciclo de vida-morte-vida. Estes interditos se aplicam, sobretudo, ao sexo e à morte; e exatamente por este caráter de proibição que possuem, também trazem obrigatoriamente uma grande carga de fascínio (BATAILLE, 2020).

Na teoria de Bataille, estes interditos – que têm vários desdobramentos e muitas vezes se mesclam – servem como uma distinção entre aquilo que é humano e aquilo que é animal: uma maneira de se diferenciar dessa natureza insensível, de tentar estruturar o mundo humano de alguma forma. Giorgio Agamben também parte desta distinção entre humanidade e animalidade, usando as diferentes formas de vida estipuladas por Aristóteles para traçar estes limites, especialmente considerando a dimensão política do homem: bios, enquanto vida dentro da sociedade com as devidas atribuições da pólis; e zoé, enquanto vida meramente posta em termos biológicos e funcionais do organismo. Em sua discussão sobre sacralidade e estado de exceção, Agamben estabelece que o homo sacer é aquele que, por seus crimes, não é mais reconhecido como um humano dotado de bios; ao ter seus direitos suspensos, sobra somente sua zoé, o que o equipara a um animal – e o torna passível de ser morto (AGAMBEN, 2007).

Estes são alguns exemplos de autores que tratam do tema ao longo da História; a condição humana sempre foi um assunto que nos fascinou como um todo. Contudo, pensar sobre a parte animal que existe dentro de nós também gera outros desdobramentos; afinal, se olharmos por tempo suficiente para os limites entre o humano e o bestial, vamos notar que em algum momento estas fronteiras se confundem. Em algum ponto, o homem e a besta se encontram, e os interditos que traçamos enquanto sociedade não são suficientes para conter a violência. E é justamente nesta fronteira que reside a figura do lobisomem.

A maioria das sociedades possui mitos a respeito de humanos que se transformam: de acordo com Montague Summers, a licantropia é um tema tremendamente abrangente – e se considerarmos todos os tipos de metamorfos, o campo se expande mais ainda (SUMMERS, 2003). Este fascínio com os licantropos se manifesta em diversas formas de arte, incluindo o cinema de horror, o que acabou gerando um extenso subgênero de filmes de lobisomem. Dentro desta categoria – que por se tratar de um subgênero muito prolífico e extenso, seria impossível esgotar em um único texto -, vamos analisar três filmes e sua relação com a figura do lobisomem como limiar dos interditos de sexo e morte: The Howling (1981), The Company Of Wolves (1984) e Ginger Snaps (2000).

Começando por The Howling (no Brasil: Grito de Horror), lançado em 1981 – ano de lançamento de outros dois relevantes filmes de lobisomem: An American Werewolf In London e Wolfen – e veio a gerar uma franquia de filmes, sendo um marco do subgênero com suas já clássicas cenas de transformações. Os paralelos entre violência e licantropia já estão presentes desde a primeira cena do filme, com a fala do Dr. George Waggner sobre a tentativa da humanidade em reprimir seus próprios instintos, na qual afirma que não devemos tentar domar os poderes que vêm dessa animalidade. Apesar de Waggner estar falando especificamente de lobisomens (como se descobre ao longo do filme), esta cena encontra ecos em Bataille, que diz que o ser humano arcaico cultuou divindades animais, possivelmente em busca de uma conexão com os poderes associados aos excessos da natureza – violência da qual estas sociedades haviam se afastado anteriormente através dos interditos, mas cuja transgressão ainda era prevista até certo ponto (BATAILLE, 2020).

A história começa acompanhando Karen White, uma âncora de televisão que serve de isca para ajudar a polícia a encontrar o assassino em série Eddie Quist. Após sobreviver por pouco a um encontro com Quist em um cinema pornô (outra aproximação entre sexo e morte), Karen fica muito traumatizada e o Dr. Waggner sugere que esta vá para a Colônia – um retiro no campo para o qual o médico envia seus pacientes em tratamento. Karen e seu esposo Bill vão para o retiro, e uma série de acontecimentos se desenrola a partir deste ponto.

O fascínio pela morte aparece de forma recorrente durante a trama, especialmente ligado ao poder que os lobisomens possuem enquanto híbridos: são retratados como seres violentos, que gostam de matar e têm preferência por consumir carne crua. Enquanto estão na forma humana, usam roupas feitas de pele e cordões de presas de animais. Ademais, os licantropos estão em uma condição de limiar até mesmo em relação a sua própria mortalidade: apesar de não poderem ser mortos por armas convencionais, são vulneráveis ao fogo e às balas de prata – o que, de certo modo, os torna imortais e mortais ao mesmo tempo.

Além do instinto assassino generalizado dos lobisomens do filme, o tema da sexualidade também é um fator de importância: isso se torna especialmente claro no caso de Marsha, personagem que passa toda a trama com a função de femme fatale, dedicando-se especialmente a seduzir Bill. O momento que mais claramente retrata o caráter de limiaridade dos licantropos é a cena de sexo entre Bill e Marsha no meio da floresta (que, por si só, já é um lugar que se afasta da ideia de “civilização” humana e remete ao selvagem – lugar do homo sacer de Agamben por excelência): tendo sido ferido por um lobisomem anteriormente, Bill para de resistir aos avanços de Marsha e consuma sua relação com ela na floresta, com ambos os personagens se tornando cada vez mais violentos durante o ato e gradualmente se transformando em lobos até chegarem no clímax. O próprio ponto do orgasmo também é um tema relevante em Bataille, que o coloca como um momento de transgressão que desafia a ideia de descontinuidade da vida e, portanto, da própria fronteira humano-animal – seja pelo caráter de reprodução, seja pela ideia de exposição da carne e perder-se no outro (BATAILLE, 2020). Este aspecto sexual da figura do lobisomem também se encontra em The Company Of Wolves (no Brasil: A Companhia dos Lobos), filme de horror e fantasia lançado em 1984.

Formado por uma amálgama de histórias que remetem aos contos de fadas clássicos, especialmente Chapeuzinho Vermelho, este filme tem a sexualidade feminina como um de seus temas centrais. Durante toda a trama, a protagonista Rosaleen é constantemente alertada sobre os perigos da floresta e dos lobisomens – sua avó repetidamente diz para que a neta “não confie em homens cujas sobrancelhas se juntam” -, sempre no intuito de preservação da inocência.

Mesmo nas relações de Rosaleen com as pessoas ao seu redor e nas personagens que povoam as histórias da avó, todo o filme é perpassado pelo mesmo aviso: jovens mulheres têm de tomar cuidado com homens que possam abusar de sua inexperiência. É o mesmo aviso contido na história de Chapeuzinho Vermelho, afinal: boas moças devem andar sempre no caminho certo, ou serão devoradas por lobos.
Desta forma, estabelecendo os devidos paralelos com Chapeuzinho Vermelho, o lobisomem neste filme serve como uma representação dos desejos proibidos, especialmente para as mulheres. Na lógica dos interditos, trata mais do sexo do que da morte, e especialmente do tipo de desejo sexual que foge ao controle da mente e ameaça desorganizar todo o mundo racional – ou, no caso das moças, devorá-las por completo. O personagem que mais condensa estes conceitos na trama é o caçador, pelo qual Rosaleen se atrai desde o primeiro momento em que o vê, ignorando os avisos da avó. Posteriormente, quando o caçador se revela como um lobisomem e mata a avó, Rosaleen fica dividida entre se proteger do perigo e ceder a seu fascínio pelo lobo.

A maior parte do filme se passa dentro de um sonho da protagonista: a última sequência mostra o caçador junto a Rosaleen, que também acaba se transformando em lobo. Ambos começam a correr pela floresta, e a eles se junta uma alcateia: nesta cena, os limiares entre sonho e realidade se mesclam, e o filme encerra com Rosaleen acordando assustada com seu quarto tomado por lobos. Mais uma vez, os lobos aparecem nas fronteiras das definições do nosso mundo: sonho e realidade, humano e animal, razão e desejo.
Um ponto interessante que podemos notar até o momento é o papel das mulheres nos filmes analisados: em The Howling (1981), as mulheres da trama ou são retratadas como sedutoras animalescas ou terminam como vítimas indefesas; já em The Company Of Wolves (1984), seguindo os temas de Chapeuzinho Vermelho, a sexualidade feminina está sempre condicionada a uma ameaça externa que tenta sempre acabar com a inocência. Estes papeis femininos se alteram quando tratamos no último filme de nossa análise: Ginger Snaps, de 2000. Mantendo o título original ao ser lançado no Brasil, Ginger Snaps acompanha as irmãs Ginger e Brigitte Fitzgerald, consideradas esquisitas no colégio e fascinadas pela morte. O interdito da morte e o fascínio de sua transgressão se mostra presente desde o início na caracterização das irmãs: ambas têm um pacto de morte uma com a outra (sair do subúrbio ou morrer juntas aos 16 anos), e têm como passatempo fazer sessões de fotos mórbidas.

Além dos temas relacionados à morte e à sexualidade, Ginger Snaps trata também da menstruação (que, em Bataille, também está associada à violência que percebemos nos ciclos da natureza). No filme, a menarca de Ginger coincide com o ataque de um licantropo, e a partir deste ponto seu comportamento começa a mudar: a personagem se torna mais ousada e agressiva, seu corpo sofre uma série de transformações – suas feridas se regeneram rapidamente, surgem pêlos e uma cauda começa a crescer aos poucos -, mas uma das mudanças mais relevantes é seu despertar sexual.
Apesar dos outros filmes que analisamos também tratarem do impulso sexual e de morte, Ginger Snaps chama a atenção por tratar destes temas com um protagonismo feminino muito forte: além de tratar da menstruação, o filme não coloca suas personagens de forma unidimensional. Brigitte reage às transformações da irmã ao mesmo tempo em que tenta se entender neste novo mundo que se apresenta, não sendo somente uma vítima indefesa. Ginger não se resume a uma femme fatale e sua sexualidade não é algo a ser protegido do lobo: ao transitar nos limiares que a figura do lobisomem pressupõe, a personagem é dona de seus impulsos e se entrega a eles. Mesmo nos pontos em que Ginger se relaciona sexualmente com outros personagens, o foco não é nos homens, mas no exercício de sua própria sexualidade. Mesmo sem controle das transformações que sofre, Ginger ainda tem agência e protagonismo – afinal, ela é o lobo.
Como dito antes, seria impossível esgotar todo o subgênero de lobisomens em um só texto; a ideia aqui foi explorar as diferentes formas que a limiaridade da figura do lobisomem é tratada nos filmes escolhidos. Talvez uma das razões pelas quais este subgênero do horror seja tão prolífico se encontre exatamente nas questões que a ideia do lobisomem levanta: o que nos faz humanos? O que é que nos separa do que há de bestial, e como nossos impulsos desafiam estes limites? De quais violências a besta dentro de nós é capaz? O cinema de horror não estabeleceu uma resposta pronta, mas talvez a frase de The Howling que dá título a este texto nos ajude a pensar: “you can’t tame what’s meant to be wild, Doc. It just ain’t natural.”¹

NOTAS

1 – Tradução livre: “você não pode domar o que deveria ser selvagem, Doutor. Não é natural.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Vol I. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2007.BATAILLE, Georges. O erotismo. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
SUMMERS, Montague. The Werewolf in Lore and Legend. New York: Dover Publications
Inc., 2003

* Pesquisadora, escritora e ilustradora. Mestranda em Direito (UFJF), pós-graduanda em Direito Penal e
Criminologia (Introcrim) e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Estudos Sobre Morte e Pós Morte (LABÔ PUCSP). Parte de suas pesquisas tratam sobre o tabu da morte e seu impacto nas concepções de monstruosidade, especialmente na literatura e no cinema de horror.


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