Diogo Augusto Gonçalves*

“Atenção! A lacuna da porta… Separa a realidade. O únco eu sou eu. E você tem certeza que o único você é você?” Essa é a única informação que você tem ao iniciar o videogame P.T., lançado em 2014, como um teaser jogável, do que poderia ter sido um novo da franquia Silent Hill. Então você acorda em uma sala estranha, escura e silenciosa. Há apenas uma porta diante de você e duas anteninhas que se mexem. À medida que sua turva visão fica nítida, enquanto sua personagem acorda, a barata aparece. Uma barata com duas cabeças, uma em cada ponta de seu corpo. Então a porta é aberta e o jogo começa.

Você não sabe o nome do seu personagem, a visão do jogo é em plano subjetivo, tudo que você sabe é de que nada sabe. Assim o jogo te convida a atravessar a porta, que dá para um corredor de uma típica casa americana, dessas que estamos cansados de ver em filmes de terror. Caminhando pelo corredor nos deparamos com fotos de uma família normal, alguns objetos e um relógio digital que até o fim do jogo indica a mesma hora “23:59”. Ao fim desse corredor podemos virar a direita, mas aí nos deparamos com uma questão: “O que me aguarda caso eu vire essa esquina”, e então temos terror, temos medo do desconhecido, temos um jogo de terror.

Geralmente quando assistimos um filme de terror, nos colocamos como um observador, um voyeur que acompanha sem interferir. Inclusive, costumamos julgar os protagonistas dos filmes. Tal como Sidney Prescott, achamos que as protagonistas são idiotas por correr para o andar de cima, onde não há saída. Mas quando somos jogadores, somos obrigados a enfrentar o medo e conduzidos ao andar de cima. E no caso de P.T. somos obrigados a dobrar a esquina e explorar o desconhecido.

No final da década de 1990, nos tempos dourados dos jogos do Playstation One, lembro das minhas experiências com jogos de Terror de Sobrevivência com Resident Evil (1996), e com o esquecido Dino Crisis (1999). A visão da câmera era fixa e conforme seu personagem se movia pelo cenário, havia trocas de câmeras que quase sempre omitiam informações importantes do ambiente, como de onde poderiam vir os inimigos, tensão sempre. Quantos jump scares eu não levei por causa de zumbis, cachorros mortos vivos ou dinossauros que atravessavam janelas enquanto eu simplesmente explorava os espaços em busca de recursos, informações ou algum outro item. Nesses jogos, conhecidos como Survival Horror (Terror de Sobrevivência), os personagens, são, geralmente, pessoas comum, que não dispõem de amplas habilidades para lidarem com as adversidades que o jogo apresenta e precisam lidar com a escassez de recursos enquanto exploram o espaço, resolvendo quebra cabeças em buscas de chaves ou ferramentas que possibilitará o avanço no jogo.

Voltando ao P.T. essa esquina, essa maldita esquina que esconde alguma coisa que você não quer ver mas sabe que tem que ver, caso contrário o jogo não vai acabar sozinho. E assim vemos a importância que o espaço possui nesses jogos. O espaço se torna um personagem que regula o ritmo da experiência, estabelece a atmosfera e desorienta o jogador.

E mais do que isso, o espaço clama para ser explorado, pois sempre há a necessidade de encontrar uma chave para abrir uma porta. Então, mesmo que seja perigoso, o jogador deve se arriscar pelos caminhos menos seguros seja por necessidade ou por não ter opções. Assim, ao dobrarmos à direita pelo o corredor, em P.T, pela primeira vez, não haverá nada além da continuidade da casa, ou seja um outro corredor, com algumas portas trancadas.

E o jogo é isso, um corredor em L, sendo que após o jogador interagir de forma correta com os objetos certos, uma porta irá abrir dando acesso a uma outra porta, após a atravessarmos, voltaremos para a primeira porta, em uma espécie de looping espacial. A cada novo looping o corredor estará levemente modificado ou drasticamente diferente, propondo uma espécie de quebra cabeça que dará acesso novamente a porta que reiniciará o looping. Em um desses lopings o jogador terá acesso ao banheiro, em outro uma criatura bizarra estará te aguardando na esquina, ela estará lá, parada te contemplando. A cada retorno a experiência de looping trará uma nova sensação de tensão.

Lucia Leão, em seu livro “A Estética do Labirinto”, pontua que os videogames são equivalentes aos labirintos da antiguidade, pois a forma que ambos propõem os desafios são similares. Segundo a autora, é errôneo pensar que o objetivo dos labirintos é encontrar a saída, a experiência completa acontece apenas quando o explorador investiga cada um dos diversos espaços que o labirinto apresenta. Da mesma forma, nos videogames, e principalmente nos jogos de terror de sobrevivência, a experiência completa apenas acontece quando o jogador explora todos os espaços do jogo, resolve todos os quebra cabeças e assim desvenda todos os segredos da narrativa.

É nessa dinâmica de exploração que algumas dinâmicas de gameplay são importantes. Por mais que os jogos de terror de sobrevivência apresentem ação, eles também precisam de momentos que Brian Upton, em seu artigo “P.T. and the Play of Stilness” chama de quietude. Em determinados pontos da narrativa, o próprio espaço do jogo irá apresentar lugares em que o jogador poderá descansar, refletir e planejar o próximo passo. Upton, compara esses momentos como os instantes que um jogador de xadrez necessita para planejar o próximo movimento.

Sempre após um momento dramaticamente intenso na narrativa, ou desafiador em termos de gameplay, o jogo estabelece algum lugar em que seja possível para o jogador se reorganizar, entender seu avanço, organizar seus itens e assim avançar no jogo. Esse espaço de quietude é parte do que Lúcia Leão estabelece como sendo parte da experiência de navegação pelo labirinto. Somente a partir da reflexão e compreensão do que foi feito no jogo até então que o jogador pode entender o que ele deve fazer a seguir, que invariavelmente consiste ir para algum lugar, iniciando outro ciclo de ação, interação e descobertas narrativas intensas. Essa dinâmica de iteração constante, ou seja, de repetição de padrões é um aspecto importante da linguagem dos videogames, como aponta Bernard Perron em seu livro “Silent Hill: The Terror Engine”.

A quietude, no caso de jogos de terror de sobrevivência, também oferece tensão. Lembra da hesitação em virar o corredor? Na primeira vez nada aconteceu, mas em outras iterações surgiu um fantasma, monstro, qualquer coisa bizarra que ficou ali apenas te encarando, quieto. Dobrar esse corredor, gera sempre tensão, mas há também momentos de hesitação, de quietude sempre intensifica a catarse da ação em si.

Eis, então, que surge outra diferença entre o horror nos videogames e no cinema. Neste último o medo é intensificado a partir da empatia que desenvolvemos com a personagem. Quanto maior for a identificação, maior será o medo de que aconteça algo de ruim com ela. No entanto, nos videogames o medo aparece do que pode acontecer com o seu avatar, ou seja com a máscara que você está usando durante a experiência, assim o medo é por você. E durante o jogo, nosso objetivo é caminhar para a janela, para enfrentarmos os monstros que vão pular de lá. As respostas que você procura, sempre estarão escondidas no escuro, guardadas pelo desconhecido e nós, jogadores, sempre explorando esses labirintos bizarros.

*Amante do gênero de terror em games, cinema, animação, quadrinhos, desde quando eu não devia ser fã. Sou também escritor, roteirista e pesquisador, me envolvendo principalmente com o gênero de terror e seus derivados. E ainda atuo como professor de animação, design de games e cinema.