Euller Felix*

Acredito que não seja exagero dizer que muitos dos fãs do gênero já tenham se perguntado a diferença entre os filmes e as definições de “horror” e “terror”. Já ouvi e li em alguns grupos que no final das contas é tudo a mesma coisa, em outros momentos já ouvi que são coisas diferentes. Já ouvi também de que essa não é uma discussão que mereça tanta atenção. Sinceramente, não sei ao certo o grau de merecimento desta discussão, mas pretendo contribuir um pouco com ela.

Para começarmos vamos as definições rápidas sobre os termos: de acordo com as definições do dicionário “Oxford Languages”, o horror é uma “forte impressão de repulsa, acompanhada ou não de arrepio, gerada pela percepção de algo ameaçador”. Já a definição de terror pelo mesmo dicionário é “característica do que é terrível” e “estado de pavor”.

É interessante que essas definições da Oxford podem ser relacionadas as definições que Stephen King deu no seu livro “Dança Macabra”. Lá ele define que há três formas de se escrever uma história do gênero: o horror, que seria “a emoção mais apurada”, o terror é quando ele coloca um medo, nas palavras de King é onde ele tenta literalmente “aterrorizar” o leitor e; se nada der certo, King não se vê como uma pessoa orgulhosa e faz o que ele chama de “terror explicito” que é basicamente onde ele joga tudo pro alto e arranca o braço do seu personagem, joga uma gosma de vomito ou faz com que uma parede se transforme em uma onda de sangue.

Indo na linha das definições de Stephen King e do dicionário, há sim uma diferença entre o que é “horror” e o que é “terror”. O horror diz respeito mais as agonias humanas, uma sensação geral, quase que atmosférica, dando um clima geral para a obra. Talvez um pouco semelhante a ideia exposta por Lovecraft em seu ensaio “O horror sobrenatural na literatura” onde ele afirma que nada é mais aterrorizante do que o medo do desconhecido, onde muitas vezes esse medo do desconhecido se transforma em uma história com uma atmosfera de horror. Já o terror seria mais uma sensação momentânea, o susto, algo que vem e cumpre o propósito de assustar e depois vai embora.

Pensando em como definir o gênero, o colega pesquisador Rodolfo Stancki escreveu um artigo em sua coluna no portal Escotilha onde ele aproxima o filme “Atlantique” de Mati Diop, que é considerado como um drama, ao gênero do horror. Ali há algumas reflexões sobre como o gênero é impactado através da nossa resposta emocional ao que estamos assistindo. Rodolfo cita Noel Carroll, um autor que é bastante utilizado nas pesquisas brasileiras sobre o horror, sobretudo as pesquisas acadêmicas. Quando ele faz alusão a Carroll ele busca trazer a reflexão de que cada pessoa, dentro da sua própria subjetividade, observa um determinado filme e a partir dessa observação tem sua resposta emocional. Talvez seja por isso que para alguns um filme como “Atlantique” soe mais como um drama, enquanto para outros é uma obra que dialoga mais com o horror.

Já a pesquisadora e crítica Beatriz Saldanha em um artigo sobre o filme “O mundo é o culpado” de Ida Lupino, reflete sobre a questão da essa relação entre espectador e o filme. Neste texto há uma discussão sobre como o filme de Ida Lupino tem um potencial de discussão sobre as potencialidades do gênero e de como ele lida com questões como o abuso e o medo.

Para outros pesquisadores, como por exemplo o Carlos Primati,  em uma entrevista disse que a ideia de se pensar se um filme é ou não de horror vale mais para sabermos como caracterizar um determinado filme dentro de um escopo de pesquisa e de trabalho que pode ser desenvolvido dentro do gênero.

Para além dessa ideia de definição de horror e terror, há ainda uma terceira e que perdeu força nos últimos anos, a de “pós terror”.  O termo foi cunhado por Steve Rose para tentar definir uma nova leva de filmes de horror que vinham surgindo na ultima década. O termo foi e ainda é rechaçado por críticos e pesquisadores, principalmente por defenderem que todas as obras que podem ser consideradas nesse “novo gênero” são semelhantes a outras obras que foram feitas muitos anos atrás. Nesse contexto, muitos –  e aqui me incluo também – defendem que não há necessidade de se criar um novo termo, já que esses são filmes de horror, não sendo necessário e nem possível determinar que há algo novo ali.

O gênero é revisitado todos os dias por novos filmes, novos espectadores e novas visões que um mesmo espectador pode ter com uma mesma obra em diferentes momentos da vida. Parafraseando o filósofo grego Heráclito, quando assistimos um filme nós nos modificamos e quando voltamos a ele não somos mais os mesmo, e o filme também não é mais o mesmo para nós. E claro, acredito que essa discussão não deve acabar por aqui, alias, pretendo voltar a esse assunto em outro momento.

 

*Cientista social, pesquisador e crítico de cinema.