A fotografia pós-morte foi um prática desenvolvida no fim do século XIX entre as pessoas com condições financeiras mais difíceis. Esta foi uma forma mais barata para registrar lembranças dos entes queridos mortos, principalmente crianças. Fotografar pessoas falecidas é o trabalho de Tomás, protagonista de “Post Mortem”, filme de terror húngaro dirigido por Péter Bergendy. Na trama, o fotógrafo vai a uma comunidade rural na Hungria para entender os motivos que o fizeram enxergar a pequena Anna numa situação de quase morte. No local, o homem e a menina investigam o que fazer para afastar fantasmas que assombram os moradores após a Primeira Guerra Mundial.

Não por coincidência a narrativa se inicia em 1918, ano do término da Primeira Grande Guerra, e num campo de batalha. Posicionar a produção nesse contexto ajuda a desenvolver a ideia de que a própria história pode desencadear o horror, criando períodos em que a morte se torna praticamente uma parte do cotidiano. Assim, Tomás vive rodeado pela morte em vários sentidos: primeiramente, ele era um soldado alemão na Tríplice Aliança vendo colegas serem assassinados em explosões e ele próprio sendo vítima de ataques inimigos (por sorte, é salvo por um velho combatente que percebe que ele ainda está vivo); em seguida, terminado o conflito, fotografa pessoas mortas e cede sua história de sobrevivência ao velho homem para dramatizar-la em excursões pelas aldeias por onde passam. Nas duas fases da sua vida, Tomás se depara com a morte, seja quando se vê cercado pelos corpos de companheiros mortos, seja quando começa a se sustentar com as fotografias pós-morte.

Ir ao vilarejo de Anna apresenta ao personagem central outro acontecimento da época que aumentou drasticamente o número de mortes. As primeiras décadas do século XX também foram marcadas pela pandemia da gripe espanhola, que se alastrou por diferentes países em função do estado da medicina e das condições insalubres geradas pela Primeira Guerra Mundial. Considerando-se o contexto atual do coronavírus, ambientar a história em outra crise sanitária impacta e entrelaça dois períodos históricos com aspectos em comum. A experiência cinematográfica se acentua quando vemos que os personagens da comunidade não podem enterrar seus mortos e nem realizar os rituais apropriados por conta do inverno rigoroso, responsável por congelar as terras do lugar – o fato se articula ao momento atual em que as pessoas mal podem se despedir dos entes queridos.

Como o clima é adverso, os mortos precisam ser deixados em um espaço específico do vilarejo ainda próximo do cotidiano dos moradores. Isso colabora para a criação de um cenário desolador e melancólico, no qual as cores foram drenadas e a natureza também parece sem vida (algo semelhante aos cenários opressivos e com um pano de fundo histórico de “A Fita Branca“). Além disso, a área transborda uma sensação de estranheza em detalhes que a câmera enquadra como se fossem banais: uma criança com uma sacola na cabeça, a mala de Tomás afundando no terreno encharcado e um cão levantado do chão por alguma força invisível. Enquanto isso, o protagonista fotografa os mortos do local sem notar fenômenos sobrenaturais ao seu redor, como movimentos abruptos dos corpos mortos, sons ameaçadores de sua casa e aparições de espectros pelos cantos.

Tomás e Anna passam a conviver mais diretamente quando investigam as razões para a assombração dos fantasmas e as soluções para afastar essas ameaças. Percorrendo a região, os dois personagens conversam com os moradores e tomam contato com os familiares mortos, todos eles vítimas da Primeira Guerra Mundial ou da gripe espanhola. Em cada relato, torna-se mais evidente que a impossibilidade de preparar os mortos para seguir adiante desencadeou o mal que recai sobre aquelas pessoas. Levando em conta novamente a época, os temores e as dificuldades humanas de lidar com a morte também se associam a um tempo em que ganhavam força as discussões científicas e místicas sobre o fim da vida e a vida após a morte.

Enquanto o início do segundo ato dialoga com as tramas de terror construídas em torno de casas mal-assombradas, o decorrer da narrativa se assume dentro do subgênero de possessão ao indicar que os mortos e moribundos atraem fantasmas. A partir daí, o filme oferece bons momentos de tensão com jump scares eficientes e imagens impactantes o bastante para gerar choque – por exemplo, nas sequências em que uma senhora é violentamente atacada, Tomás e Anna são possuídos e o clímax se desenvolve ao redor de uma casa e de uma igreja. É interessante também como o diretor Péter Bergendy faz a tensão e as imagens angustiantes evoluírem, sendo auxiliado por uma trilha sonora opressiva e por ruídos enigmáticos no extracampo.

Por outro lado, “Post Mortem” tem alguns aspectos mais frágeis que não se sustentam como o componente histórico da narrativa. Em determinado momento, a resolução do clímax ocorre apressadamente, fazendo com que a revelação da mitologia daquele universo seja exposta sem tanto cuidado e sem valorizar algumas imagens de grande potencial. Mesmo que a sugestão do roteiro de que Tomás e Anna teriam uma interação espiritual, a dinâmica entre eles ao final retoma o maior mérito da obra: mostrar que em tempos nos quais a morte invade e toma conta do cotidiano, episódios e períodos históricos podem ser fontes para o terror.