Ligia H. Villon*
Eu poderia começar de muitas formas a falar sobre esse tema, mas como alguém que não é crítica e sim técnica de cinema eu vou começar com a chuva. Sim, a chuva. Você que está lendo agora este texto já reparou que nos filmes de terror os raios e os trovões caiem ao mesmo tempo? Mas, que na vida real isso não é possível porque existe um pequeno delay entre eles, afinal a velocidade da luz é mais rápida do que a do som? Não? Interessante.
Bem, isso ocorre porque é uma convenção entre nós de pós-produção de som, desde que o som começou a ser inserido aos filmes, que certos efeitos, como o som do trovão causam medo. O trovão é um som grave que é mixado nas caixas subwoofer, sons graves e que surgem do nada geram medo em mamíferos, ou seja, nós.
Bem, eu poderia então citar todas as cenas, de todos os filmes com chuva do Stephen King aqui, né? It – A Coisa, A Espera de Um Milagre, Cemitério Maldito, etc.. Mas seria sem graça, pois outras coisas que usamos para dar medo além dos efeitos são as trilhas sonoras e foleys.
Trilhas em filmes de terror podem ser extremamente marcantes, mas a maioria dos filmes do Stephen King não tem um tema forte, como por exemplo, Psicose. Deixo aqui duas exceções, as duas adaptações de “Chamas da Vingança” que tem as trilhas de autoria de John Carpenter e “Um sonho de liberdade” (1995) que concorreu ao Oscar nessa categoria.
Isso nos deixa com os foleys. Foleys tem esse nome em homenagem ao radialista que percebeu que faltava algo aos sons dos filmes, ele então adicionou as técnicas de radionovelas à pós-produção. Dentro dos foleys temos as munhas, que são todos os sons de algo que é tocado por mãos. Os sons de objetos em geral. E, o mais importante aqui os drones. São sons que estão entre efeitos e trilha e são muito usados e filmes de terror em geral. Todos os filmes de King tem alguma variação de drone.
E em IT – A Coisa (2017), toda a vez que o palhaço aparece um drone mixado com uma risada estrada aparece. Além disso, o filme utiliza muito o “efeito trovão”. Sons graves para te assustar quando você não está preparado.
O último aspecto que é o mestre do medo na edição de som é o não som. Sim, o silêncio. O silêncio assim como o trovão junto com o raio, não é natural, e tudo que não é natural, incomoda, gera desconforto, e dá medo.
Momentos silenciosos, aonde o som vai aos poucos ficando mais auto e terminam num pico muito agudo de um drone bem assustador normalmente significam que, ou mostro, ou fantasma, ou assassino está bem perto do protagonista esperando para dar o bote.
Esse efeito é exatamente o oposto do “efeito trovão”, pois você está avisando o seu expectador, vai acontecer algo ruim através do som. “Vai acontecer algo ruim, você não está vendo, o personagem não está vendo, mas você sabe mesmo assim”. É o efeito cauda escorpião do som. Próxima vez que assistir a um filme de terror feche os olhos e só escute e tente perceber, quando o será o próximo susto.
Um filme que trabalha muito com o silêncio até para mostrar o isolamento que os personagens se encontram é O Iluminado (1980). Na cena em que o Danny está andando de bicicleta enquanto o pai está na maquina de escrever quase não som apenas os da bicicleta e da máquina. A falta dos demais sons ambientes além de mostrar o isolamento gera desconforto, o que por sinal precede a ocorrência de fantasmas.
O silêncio também aparece na cena no filme Carrie, A Estranha (1976), logo depois que o balde de sangue cai em cima dela e os colegas começam a rir, não ouvimos os risos só vemos, apenas depois de ouvir a voz da mãe dela em sua memória é que ouvimos o som das risadas. Assim que o som volta vem à fúria Carrie, seguida por drones e efeitos bem agudos.
Eu falei do som quando muito, o “efeito trovão”, de o som completar, o drone, e do efeito do silêncio. Mas só isso é bastante para criar um ambiente sonoro de horror e terror? A resposta é não. Existem ainda as três níveis de edição de som. Naturalistas, subjetivo e aditivo.
Naturalista, todos os filmes usam e significa trazer verossimilhança ao filme. Em filmes de terror o nível naturalista é deixado de lado ás vezes. Subjetivo, significa que você quer usar a sua edição de som para mostrar que está dentro da cabeça do personagem, como num sonho, lembrança, alucinação ou visão, por exemplo, a cena da Carrie no baile escutando a voz da mãe.
E por último, e talvez o mais importante, o aditivo, que significa 1+1=3. Em edição quando você coloca uma imagem ela tem um valor, adicione um som e ele sozinho tem outro valor, os dois juntos formaram um terceiro valor totalmente novo.
Um exemplo prático disso é IT – a Coisa, a figura palhaço tem um significado, você pode ter medo sim ou não, o mesmo serve para o balão vermelho, mas se eu adicionar um drone assustador para qualquer uma dessas imagens, aí sim terá o valor terror.
Para finalizar, eu vou falar da cena que talvez mais me marque com som de trovão em um filme de adaptação do autor: Um Sonho de Liberdade (1994). Que não é um filme de terror. Na cena da fuga, a construção da sequência é toda uma narração em voz off e a chuva, que aqui não dá medo, muito menos o trovão. Pois o personagem se utiliza justamente do delay entre raio e trovão para fazer o buraco no cano para sua liberdade. Mas existe uma tensão tão grande e tão bem construída, que só o cinema quebrando as regras da física é capaz de fazer. Depois que ele sai os raios e trovões caiem juntos, sempre longe, na prisão, e sobe a trilha. Ou seja, o maior monstro em todas as obras de Stephen King sempre serão as pessoas.
* Meu nome é Lígia Helena Villon, São Bernardo do Campo – SP, sou formada em Cinema Digital e animação. Sou cineasta, roteirista, quadrinista e escritora. Além disso, Coprodutora no coletivo independente Alguma Coisa Filmes, colaboradora do Coletivo Quadrinhos do Mundo e da página Mulheres Audiovisual, cineasta independente, dirigi 6 curtas e um média metragem. Possuo história publicada pela editora Skript no quadrinho Pândega com mais outros artistas que foi ilustrada por Mazure Moganashi entre outras colaborações.