Todo ano a Mostra de Cinema de São Paulo tem aquele filme imperdível, com apenas uma exibição no festival. Neste ano foi O Farol, novo filme do diretor de A Bruxa, Robert Eggers. Eu já estava sem esperanças de conseguir um ingresso para ele, mas graças aos meus amigos Samantha e Filippo ontem tive a oportunidade de ver o filme com o Daniel (que participou de nossos episódios sobre Midsommar e Possessão).
O enredo está entregue no trailer: dois homens (Willem Dafoe e Robert Pattinson) vão para uma ilha isolada para tomar conta de um farol. Dafoe interpreta o chefe controlador, que distribui as tarefas e só é uma pessoa agradável quando está bêbado. Pattinson é o jovem aprendiz, que cumpre ordens de cabeça baixa. Mas ele tem um segredo, e o isolamento do local vai mexer com a sanidade de ambos.
Quero escrever minhas impressões sobre o filme sem dar spoilers, então vou comentar alguns pontos específicos. Começo falando da trilha sonora, que ficou a cargo de Mark Korven, o mesmo que cuidou de A Bruxa. As primeiras cenas do filme são acompanhadas por um som que parece uma das trombetas do apocalipse. O som do barco cortando as ondas é altíssimo, e ali parece um presságio do que os personagens vão viver.
Um amigo me perguntou se o filme tinha aquele tom de Lovecraft. Claro, quando pensamos em mar e tentáculos, o autor sempre vem à nossa mente, mas aqui fiquei pensando nas lendas de marinheiros. Por coincidência, minha música preferida do Iron Maiden é The Rime of the Ancient Mariner, cuja letra foi inspirada em um poema do Samuel Taylor Coleridge de mesmo nome. Foi com essa música/poema que eu conheci a lenda dos marinheiros, de que matar gaivotas traz má sorte. No filme o personagem de Dafoe conta que as gaivotas carregam a alma de cada marinheiro que morreu no mar.
Costumo dizer que sou uma pessoa de obsessões, sempre fico focada em algum tema, e o primeiro deles talvez tenha sido sereias. Começou quando criança, quando vi o desenho A Pequena Sereia e levei a obsessão para o resto da vida. Há dois anos a leitura de um livro de poemas me fez escrever esse texto. Pela temática, era de se esperar que houvesse uma sereia em O Farol. Ela aparece nas alucinações de Pattinson de uma forma bastante macabra, como nas verdadeiras lendas em que as sereias cantavam para atrair homens até os mares e depois afogá-los. Aqui aproveito para indicar o filme A Atração, da diretora polonesa Agnieszka Smoczynska
Ontem o diretor Robert Eggers e o ator Willem Dafoe participaram de um bate-papo logo após a exibição do filme. Eggers comentou coisas bem interessantes a respeito das filmagens. Ele disse que escolheu filmar em preto e branco porque assim pareceria algo velho, e a escolha da exibição ser quadrada foi para melhorar os close-ups. E também para que quando tivesse uma cena do farol, não houvesse espaço a toa dos lados da imagens. Falo aqui de forma bem coloquial de quem não entende de técnicas, mas gostei de saber o porquê dessas escolhas. Uma coisa bem bacana do filme é que muitas cenas acontecem à noite, apenas com uma vela, e mesmo assim não é escuro a ponto de dificultar nossa visualização. Eggers disse que usou muita luz para conseguir esse efeito.
Ainda nessa conversa perguntaram para o diretor do porquê de no primeiro filme focar em uma mulher, e no segundo em dois homens. Eggers disse que muita gente chamou o filme de feminista, ainda fez uma piada mais ou menos “Parece que quando há bruxas o filme é feminista”. Eu concordo, mesmo dirigido por um homem, A Bruxa traz uma mulher que se cansa de tudo que lhe é imposto e resolve seguir seu próprio caminho. Foi esse filme que me fez criar meu blog pessoal Feminist Horror. Outro ponto positivo para o diretor, quando perguntado de diretores que ele gosta, ele citou Jennifer Kent (de O Babadook) e a maravilhosa Claire Denis (do estranhíssimo Desejo e Obsessão, e do Sci-Fi High Life no qual Pattinson também atua).
Eggers disse que O Farol seria uma resposta fálica para A Bruxa, tanto pensando no farol em si, quanto na temática. O limite entre a sexualidade e a violência é bastante pequeno no filme. Os dois homens isolados alternam momentos de carinho e de puro caos, num momento estão rindo e dançando, no outro se socando e trocando ameaças. Pattinson e Dafoe interpretam personagens ambíguos, ambos escondem segredos. São bons e são ruins, são acolhedores e são traiçoeiros. Para além do terror e do estudo da loucura, o filme mostra o extremo da fragilidade da sexualidade masculina. Aqui recomendo a leitura das reflexões do Filippo sobre o filme.
O filme é tenso, você acompanha a loucura dos personagens se tornar mais intensa, fica fascinado com as lendas dos mares e sente nos ossos o vento e a chuva que estão na tela. Fiquei pensando muito em A Hora do Lobo do Bergman, e o Daniel comentou comigo que sentiu um tom de Twin Peaks na cena final do filme. Robert Eggers comentou que gosta muito de David Lynch, e quando perguntado sobre o significado de O Farol, disse que quando explicaram para ele Estrada Perdida, o filme perdeu um pouco da graça. Ele não queria que isso acontecesse com o seu.
Elogiar Willem Dafoe seria redundante. O ator está em todo tipo de filme e sempre entrega uma interpretação brilhante, então não esperava nada menos do que algo maravilhoso dele nesse filme. Amo Robert Pattinson desde que vi Cosmópolis e acompanho sempre seu trabalho. Sua atuação aqui é brilhante, sem exagero algum. Não consigo pensar em outro ator que poderia ficar tão bom quanto ele em O Farol.
Não senti O Farol como um filme de terror no sentido clássico. Robert Eggers traz elementos novos para o gênero, e nada de pós-terror. Ele explora a natureza humana em sua crueldade no estado mais puro. Ele disse que não pretende fazer filmes que se passem no presente, ele gosta de imaginar como as pessoas pensavam e se comportavam, e que talvez pouco tenha mudado.
[…] Tudo (acho) que eu tinha para falar deste filme está aqui. […]
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