As mulheres trabalham no cinema desde que ele existe, mas como é de praxe na história, elas são sempre apagadas. Vocês já ouviram falar de Alice Guy-Blanché? Nascida em 1873 na França, ela conhecida como a primeira cineasta e roteirista de filmes ficcionais. No IMDb ela tem 449 créditos como diretora, sendo o primeiro A Fada do Repolho, de 1896. Em 1910 ela fundou junto com seu marido e um sócio o Solax Studios. Outra pioneira do cinema foi Lois Weber. Seu filme Suspense, lançado em 1913, como sugere o nome, é um curta que mostra uma mulher sozinha em casa tendo que lidar com um invasor. Eu me considero uma pesquisadora de cinema, estou sempre lendo a respeito, vejo muitos filmes, e mesmo assim só conheci essas mulheres há poucos anos.
Ano passado fiz uma maratona de terror dirigido por mulheres e foi muito difícil encontrar vários filmes. Pensando nisso, resolvi compartilhar aqui alguns que vi e gostei muito, e todos lançados antes dos anos 2000. Felizmente de uns anos para cá as mulheres vêm reconquistando seu espaço na indústria. Digo reconquistar porque as mulheres um dia já foram maioria no cinema, e não apenas as estrelas, mas também trabalhando atrás das câmeras. Recomendo muito o documentário E a Mulher Criou Hollywood.
Maya Deren é uma diretora que amo muito e infelizmente também só conheci tardiamente. Seu filme surrealista Witch’s Cradle é muito bizarro e interessante, muitos o consideram até como terror. E seu outro filme At Land, de 1944, mostra duas mulheres jogando xadrez na praia, cena que conhecemos bem de O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman, de 1957.
Ida Lupino é uma das minhas artistas preferidas. Ela dirigiu diversos seriados para a TV, entre eles Além da Imaginação. Estrelou em diversos sucessos de Hollywood e dirigiu filmes ótimo, entre eles O Mundo Odeia-me, nome esquisito que deram aqui no Brasil para The Hitch-Hiker. Neste road movie, dois homens são sequestrados por um perigoso assassino e acompanhamos a aflição deles durante a viagem. Escrevi sobre Ida Lupino em meu blog pessoal em 2016.
Stephanie Rothman dirigiu sete filmes nos anos 60 e 70, entre eles dois que eu gosto muito: Blood Bath (1966) em parceria com Jack Hill e The Velvet Vampire, de 1971, que hoje é considerado um clássico cult. Após assistir a esse segundo, me dei conta de que ele serviu de grande inspiração para Anna Biller em The Love Witch, que é uma homenagem ao cinema dos anos 70, principalmente a este.
Outro caso de apagamento de mulheres no terror é Messiah of Evil. Esse ótimo filme de 1973 conta com direção e roteiro de Gloria Katz e Willard Huyck, mas o nome dela não foi creditado.
Os anos 80 foram riquíssimos para o terror, inclusive para a produção de filmes dirigidos por mulheres. Meu slasher preferido é Slumber Party Massacre, dirigido por Amy Holden Jones. Ele ganhou duas sequências, também dirigidas por mulheres, mas infelizmente não tão bons. Escrevi sobre eles no Cine Varda. Tenement, da Roberta Findlay, é outro que amo. Ele tem todos os clichês do terror oitentista. Assim como Blood Diner, dirigido por Jackie Kong, mas esse aqui descamba muito mais para a galhofa.
Cemitério Maldito de 1989 é um grande clássico e foi dirigido por Mary Lambert. Ela também trabalhou na sequência, e teve uma extensa carreira dirigindo videoclips para artistas como Madonna, Eurythmics e Mötley Crüe.
Os anos 90 foram uma década estranha. Lembro de muita gente dizer que foi Pânico, em 1996, que fez o terror voltar ao sucesso. Concordo, em partes. Muita coisa começou a sair depois dele, inclusive aquele monte de terror adolescente ruim (que eu amo, confesso!), mas eu queria destacar dois que eu adoro: Office Killer e Encaixotando Helena. O primeiro, dirigido por Cindy Sherman, mostra uma mulher que começa a matar todos os seus colegas de trabalho. Esquisitíssimo e sensacional. Já Encaixotando Helena foi dirigido por Jennifer Chambers Lynch, filha dele, o Homem David Lynch. O filme não é bom, é brega, mas eu acho que gosto dele.
Quanto ao Brasil, a produção das mulheres do terror nesta década é enorme. Alguns de meus filmes preferidos são O Animal Cordial (Gabriela Amaral Almeida), As Boas Maneiras (Juliana Rojas) e O Despertar de Lilith (Monica Demes). Nas minhas pesquisas, encontrei pouquíssima coisa de diretoras do gênero antes dos anos 2000. Um deles foi A mulher que põe a pomba no ar, de 1978, que Rosângela Maldonado co-dirigiu com José Mojica Marins. Ela também escreveu o roteiro e atuou nele. Ainda não tive a oportunidade de assistir, mas assim que o fizer volto aqui para contar.
Imagem de capa: Ida Lupino