A Mão que Afaga filme dirigido por Gabriela Amaral é um curta-metragem que abre um especial que faz algum tempo que tenho vontade de escrever no Necronomiconversa. Alguns não devem saber, mas além de escrever e estudar sobre cinema, também já me atrevi a realizar alguns filmes e pretendo continuar, no momento produzi, escrevi e dirigi dois curtas intitulados Filho da Lua (2018) e Obscura (2019), por isso, assistir, pesquisar e estudar o formato fez parte presente dos meu cotidiano nos últimos anos, o que me fez adquirir um enorme apreço por curtas, principalmente os de horror nacional. Portanto, decidi finalmente escrever sobre eles, não somente no âmbito acadêmico, pois sinto que além de querer falar sobre isso nos artigos que escrevo, o site é uma ótima forma de divulgar o trabalho sensacional que muitos artistas realizam no país. Bom, sem mais delongas vamos ao primeiro filme que abre essa série de textos que pretendo escrever, que já começa muito bem, com um dos meus filmes nacionais favoritos.

De acordo com a própria sinopse oficial, o filme acompanha Estela, uma operadora de telemarketing, que está tentando planejar e realizar a festa de aniversário de seu filho de nove anos, contudo, o evento tem mínima chance de sucesso. A Mão que Afaga aposta na abordagem de um relacionamento entre mãe e filho, situação recorrente em um filme de horror, tanto que na primeira vez que assisti achei muito semelhante com o setup de O Exorcista ou O Brinquedo Assassino, que também acompanham mães solteiras dando o seu melhor para prover a felicidade dos filhos. O diferencial deste filme é que nele nada sobrenatural acontece, não há um brinquedo assassino ou um demônio e sem utilizar do recurso de uma ameaça, o filme consegue estabelecer uma atmosfera angustiante e muito melancólica.

 

 

A diretora atinge tal feito através da boa escrita e direção que age cirurgicamente através de planos bem construídos para a formação de situações extremamente desconfortáveis, montados para trazer o sentimento de isolamento e a falta de afeto que Estela sente. Exemplifico tal afirmação através dos enquadramentos, o filme é composto por muitos planos fechados e close-ups, ou seja temos planos muito próximos do rosto, filmados do ombro para cima ou tentando enquadrar muitas pessoas em um espaço muito pequeno. Ao ter tal decisão criativa, o plano fechado limita o campo de visão daquilo que está ao redor, aproxima o ator do público e dá a sensação de achatar o personagem em um espaço pequeno, o que causa a famosa sensação de sufocamento, no caso do curta-metragem aliado a atuação precisa de Luciana Paes que soube muito bem fazer uma personagem estranha, que parece não se encaixar de forma alguma na situação proposta pelo roteiro, faz tudo parecer muito mais estranho e desconfortável, digo isso no melhor dos sentidos.

O filme tem esse sentimento de opressão e isolamento, a personagem possui uma profissão que a faz ser considerada uma pária e uma presença desagradável para aqueles com a qual ela se relaciona, no caso as pessoas que são “incomodadas” ao receber suas ligações oferecendo produtos da empresa do qual a emprega. Fato que a faz ser alvo constante de difamações e escárnios por parte dos clientes que mal a conhecem, contudo são o mais próximo que ela possui de algum contato humano que geralmente é contemplado por uma violência verbal desnecessária.

 

 

Consequentemente, A Mão que Afaga aborda a falta de afeto e o distanciamento social, onde as pessoas apenas cumprem contratos sociais por necessidade ou interesse, como por exemplo, a única pessoa que foi ao aniversário do filho de Estela e está lá apenas para ser o mínimo educada, mas também denota uma certa carência por falar muito, mesmo sabendo que não está sendo ouvida, ou o urso, protagonista dos momentos mais constrangedores que esse curta pode oferecer, que está sendo pago para estar lá e apenas cumpre horário. Por fim, aqueles que nem mesmo se importam com os contratos sociais e por serem recheados de indiferença nem sequer foram à festa, frustrando ainda mais os esforços de Estela de proporcionar um dia especial ao filho.

O filme ainda possui diversos aspectos técnicos que contribuem para o sentimento melancólico que ele pretende transmitir, como os outros planos, quando não são fechados, procuram por enquadramentos angulados de forma assimétrica trazendo uma “coceira” interna de que algo não está certo ou então a diretora “corta” as cabeças dos personagens não enquadrados corretamente propositalmente. O apartamento também é todo colorido, mas as cores são apagadas, mesmo o rosa, a cor presente em diversas paredes do local, não consegue trazer a vivacidade costumeira que a cor rosa proporciona, tudo é apagado assim como a protagonista e consequentemente o filho. Por fim, durante seus vinte minutos aproximados de duração, o curta tem um tom de urgência e de ameaça, algo parece que vai acontecer, mas nada nunca acontece.

 

 

Gosto de aprender com os filmes e A Mão que Afaga tem uma poderosa mensagem sobre a indiferença, ao ver a protagonista sendo hostilizada por simplesmente estar cumprindo seu trabalho, me fez ver com outros olhos as minhas atitudes ao receber uma ligação de telemarketing, quem está do outro lado está apenas fazendo seu trabalho e eu não a conheço, muito menos sei quais são os desafios que ela passa diariamente antes e depois de estar ali, então educação e empatia é o mínimo que posso oferecer, porque nunca vou saber os problemas que acometem quem está do outro lado, que no fim das contas está tentando sobreviver no dia a dia, assim como todos nós estamos. Em tempos de isolamento por conta de uma epidemia, é um filme muito bom de se assistir, antes quando não estávamos isolados, muitas outras pessoas já estavam isoladas socialmente e o único contato com outros humanos que elas tinham era hostil, por isso, quando voltarmos a programação  normal, o sentimento de empatia é o que deve prevalecer, pois muitos já estavam isolados muito antes de qualquer epidemia, por nossa indiferença proporcionada pelos “corres” do dia a dia.

 

 

Se você gostou desta crítica e se interessou pelo filme, ele está disponível em: https://vimeo.com/51218649.

Assistam, vamos apoiar nosso cinema e começamos isso simplesmente prestigiando nossas obras. Até o próximo curta-metragem.