Euller Felix*
A história do cinema tem uma porção de releituras de obras do passado. Isto não é novo. Não é de agora que vemos remakes de filmes de sucesso, releituras de clássicos, novas abordagens com velhos personagens ou mesmo uma atualização de uma história do passado para um certo presente. É algo bem comum, na verdade. Também não é um sintoma da falta de criatividade, visto que temos diversos exemplos de obras incríveis e que são frutos de remakes. Para não fugir do horror podemos citar o clássico O Enigma de Outro Mundo (1981) de John Carpenter, que é uma releitura da história de John F. Campbell e que já foi levada às telas no início da década de 1950 por Howard Hawks. Ou mesmo as releituras feitas por Terrence Fischer na Hammer de Drácula e Frankenstein, histórias da literatura e que foram adaptadas nas primeiras décadas da história do cinema. Há também exemplos fora do cinema de horror, vale lembrar que Scarface também já teve uma outra versão na década de 1930.
Isso sem falar no costume de “estadunização” de obras que tiveram um relativo sucesso ou que chamaram a atenção de algum produtor estadunidense. Filmes de horror japonês como Ringu e Ju-on que possuem uma história com elementos locais foram adaptados e levados para a cultura e a localidade dos Estados Unidos. Esse movimento de “refilmar” algo já existente definitivamente não é algo do período atual do cinema.
Deste modo, não é algo surpreendente vermos nos anos atuais uma onda de releituras de obras clássicas do cinema de horror. Desde It – A Coisa, Cemitério Maldito, passando por Suspiria, Hellraiser, Halloween e Pânico, o que estamos vendo na produção de cinema de horror contemporâneo é a continuidade de uma prática que a indústria cinematográfica já têm faz um longo tempo.
E é bem comum, sobretudo pelos filmes originais terem sido lançados há mais ou menos 30 anos, ou que sua “base fiéis” de fãs ainda estarem vivos e terem um certo tipo de apego àquela época, vejam essas produções ou como um sacrilégio com a obra original, ou simplesmente já considerarem a nova obra como algo ruim de antemão, sem ao menos terem assistido ao filme.
De forma geral, eu sou sempre favorável às releituras de obras já consagrados. Primeiro pelo motivo mais óbvio: mesmo que a nova obra seja ruim, a obra original sempre estará lá. Sempre vou poder assistir o filme que eu tanto amo. O segundo motivo é que eu sempre vou adorar ver uma história que eu já gosto reimaginada e pensada para os dias atuais. São personagens e ícones que eu cresci assistindo, ver eles novamente em tela, em uma nova adaptação é por si só um motivo de alegria.
Mas é claro que isto não quer dizer que tenhamos que aceitar toda e qualquer obra ou elogiar algo só por ter um personagem ou uma história que já conhecemos e gostamos. Eu, por exemplo, não sou um grande fã das ultimas obras de Halloween (2018 e sequências), vejo ali muito potencial desperdiçado – principalmente da Jamie Lee Curtis. Mas fico feliz que a obra tenha sido revisitada com um olhar dos dias atuais, mesmo que o filme não tenha me agradado nada.
Vejo, inclusive, estas releituras como uma forma de demonstrar a originalidade de um autor ou autora. É quase como um teste de ferro, um(a) diretor(a) pegar uma obra já consagrada e consolidada pelo público e crítica e transformar aquilo em uma nova obra. Somente grandes autores ou diretores com uma boa visão de cinema e da obra poderão lograr sucesso nessa empreitada.
Como exemplo disso podemos pegar o filme A Noite dos Mortos Vivos, de Tom Savini. Ele consegue pegar o filme de Romero, demonstrar toda a sua devoção aquela história incrível contada por ele em 1968, dar uma nova roupagem e, ainda por cima, imprimir sua assinatura. Somente uma pessoa com uma visão de cinema e com autoralidade e originalidade consegue fazer uma coisa dessas.
Outro exemplo claro de uma criatividade e autoralidade é um filme dos tempos atuais: A Lenda de Candyman de Nia da Costa. Ela faz a mesma coisa. Consegue demonstrar o quanto respeita a obra original enquanto cria uma nova história com novos elementos e potencializando o que há de melhor do material de origem (nesse caso tanto o filme de 1992 quanto a obra de Clive Barker).
Pensando nos diretores da safra de horror que temos hoje, me pego sempre imaginando alguns deles trabalhando os filmes clássicos que eu cresci assistindo. E, sabendo que isso vai deixar muita gente com raiva, sempre torço para que eles assumam algum projeto de remake e refaçam algum filme clássico. Por exemplo: quando assisti ao filme Doutor Sono do Mike Flanagan comecei a torcer para que em algum momento da história do cinema ele adapte novamente para as telas uma nova versão de O Iluminado. Não imagino que possamos perder nada com uma empreitada dessas. Nem como fãs do livro, do filme ou apenas um cinéfilo. É basicamente um jogo de ganha ganha.
Confesso que para além de O Iluminado adoraria que outros filmes adaptados do King voltassem as telas, adoraria ver uma nova adptação de Cujo e Christine. Mas não só, gostaria de ver algumas obras dos anos 1980 reimaginadas para os dias atuais. Imaginem como seria uma releitura de Eles Vivem em um mundo globalizado e com tecnologia que temos hoje? Que potencial de história teríamos com uma releitura desse filme nas mãos de uma pessoa com autoralidade e com uma boa visão de cinema.
E pensando que a obra pode não atingir as minhas expectativas, pelo menos há sempre a possibilidade de a nova obra trazer mais visibilidade para o material original. Podendo trazer novos olhares, novas leituras e interpretações que só são possíveis depois de algum tempo do lançamento e com muitas revisões e discussões.
O cinema lida muito bem com nossas afetividades, mas acredito que nesse caso precisamos abrir mão de alguns sentimentos nossos com relação ao apego/ciúmes dessas obras e aceitar que elas serão refilmadas em algum momento. E nem sempre isso será ruim. E mesmo se for, há sempre o original ou aquela versão que mais gostamos e que sempre poderemos revisitar quando sentirmos vontade.
Mesmo que nos dias de hoje as pessoas tentem dizer e defender que um movimento de releituras de grandes obras seja, na verdade, uma demonstração da falta de criatividade de grandes produtores e do cinema em geral, acredito que este movimento é algo comum na própria história do cinema. Se assim for, estas pessoas vão ter que defender que o cinema não tem criatividade desde as primeiras décadas de sua história.
*Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema