The Lodge é um longa metragem dirigido pela dupla Severin Fiala e Veronika Franz, conhecidos por Boa Noite, Mamãe (2014), estreou em 2019 mas só chegou ao Brasil em 2020. Não pretendo entrar muito na sinopse, pois fui assistir ao filme sem saber exatamente sobre o que se tratava, e acredito que grande parte da minha experiência foi proveitosa por conta disso. Para situar, o filme é um drama familiar, com tons semelhantes ao Hereditário, de duas crianças que precisam lidar com a sua nova madrasta, da qual não suportam, em uma cabana que carrega lembranças fortes da infância para os dois. A madrasta Grace, interpretada pela atriz Riley Keough, busca ser aceita pelas crianças enquanto precisa lidar com seus próprios traumas do passado acentuados pelo isolamento causado por uma forte nevasca de fim de ano.

 

 

Um dos pontos mais positivos do longa é sua atmosfera desconfortável, o filme em cada ato busca uma forma nova de ser desagradável e te deixar incomodado com o que está em tela. O grande acerto é a forma como este sentimento é proposto, pois ele é construído muito sutilmente com momentos em que as crianças forçam a barra do relacionamento com a madrasta demonstrando o quanto a desprezam através de diálogos, olhares e inclusive nos enormes silêncios que servem como resposta de cada tentativa de Grace em estabelecer algum contato com os dois irmãos, Aiden e Mia.

 

Sobre o silêncio, ele compõe quase totalmente a trilha do filme, sendo substituído por música ou ruídos apenas em momentos ápice, quando a tensão atinge seu momento mais alto e precisamos estar atentos. Por tomar tal decisão criativa, ele torna as situações ainda mais insuportáveis e angustiantes, já que as crianças quase não conversam, não há sons de natureza pois eles estão no meio do nada e nem música para pelo menos nos dar algum norte e deixar a situação menos desconfortável. O que fica ainda pior quando a narrativa se passa na cabana, pois os diretores nos colocam sob a perspectiva da personagem Grace.

 

 

Até mesmo quando há algum diálogo, mesmo que Grace esteja falando sozinha, sempre que a personagem fala o plano é feito em close no rosto da atriz com o que sobra de espaço ao redor desfocado. Tal recurso me fez sentir que a cada minuto que passa do filme estamos entrando mais na cabeça da personagem, e compartilhando o sentimento de psicose e paranóia que vai preencher toda a atmosfera da narrativa na metade ao fim do filme.

 

 

A obra brinca muito com o suspense e as expectativas que vamos criando ao decorrer da narrativa, muito disso é feito através da troca de perspectiva dos personagens que acompanhamos durante o filme. Começamos com a mãe das crianças, a câmera está sempre no rosto dela e quando não está é porque há um raccord – ou seja uma ligação entre planos que faz criar sentido – de olhar, portanto, estamos sempre vendo o que ela vê e tirando conclusões a partir disso. Depois acompanhamos as crianças, inclusive a imagem de Grace é borrada durante todo o início do filme, temos apenas sua sombra, partes de seu corpo e uma foto dela quando era criança em uma notícia que os irmãos estavam bisbilhotando. E quando Grace é revelada, começamos a acompanhar a narrativa a partir dela, a câmera está sempre com ela, e os demais personagens apenas reagem às ações dela ou quando aparecem estão relacionados à ela de alguma forma. E por fim a cabana torna-se o foco do filme e os personagens fazem parte do ambiente, por isso a história é contada a partir do uso dos espaços da cabana.

 

The Lodge é um filme que me deixou bastante apreensivo e me fez acompanhar a história bem vidrado com cada virada da narrativa. A criação do suspense no filme é bem trabalhada, muito pela boa atuação de Riley Keough e pelo bom uso dos espaços, criando planos, que mesmo quando abertos, são bastante desconfortáveis e claustrofóbicos. É um filme bastante desagradável de se assistir (no melhor dos sentidos), por causa do bom planejamento de cenas, que não necessariamente são horríveis no sentido de imagens de alto grau de violência ou horror, mas por causa de um desconforto causado pelas relações sociais do filme e como essas cenas são filmadas, seja com planos abertos onde nenhum personagem reage de forma ativa deixando espaço apenas para o silêncio, ou pelas situações traumáticas que cada personagem é submetido durante o filme sendo acentuado pelo isolamento e memórias oferecidas pela cabana.

 

 

Preciso citar um último elemento bastante presente no filme: a religião. No filme ela é mostrada por dois pontos de vista diferentes, um que é mais brando, uma das personagens usa a religião para se sentir melhor e ter um conforto naquilo que é pregado. Enquanto outra personagem tem uma relação extremamente traumática com os resultados violentos que o extremismo religioso pode trazer. Essa dualidade traz uma discussão interessante em uma das camadas do filme, além do fato que a iconografia religiosa quando usada para o horror pode deixar tudo mais agressivo e assustador do que o filme já é.

 

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