Que o cinema de horror em muitos momentos apresenta uma metáfora sobre um assunto relevante para a sociedade através de monstros ou uma situação paranormal é óbvio, recentemente, mais precisamente nos últimos anos observamos diversas obras que discutem e dialogam questões sociais através da linguagem do cinema de gênero. Questões raciais foram muito bem abordadas pelo cinema de Jordan Peele. Ari Aster tanto em “Hereditário” quanto em “Midsommar” discutiu questões de morte, luto e relacionamento abusivo. Em “O Homem Invisível” tivemos a talentosa Elizabeth Moss enfrentando um ex namorado abusivo que se utiliza do seu conhecimento científico para atacar e fazer tudo de ruim contra a mulher que o deixou. Enfim, podemos citar inúmeros exemplos só de filmes dos últimos dez anos. 

Isso não significa que essas questões não eram discutidas em outros momentos e que só agora que o cinema de horror é de fato um gênero que discute sobre essas questões sociais. Desde sempre o horror traz esses diálogos sobre a sociedade em que vivemos, vale lembrar do cultuado filme de George Romero “A Noite dos Mortos Vivos” onde coloca como protagonista principal um personagem negro, e – fazendo uma referência ao livro Horror Noire – fez com que passassemos uma noite inteira com Ben. 

Outros cineastas também exploraram o gênero e dialogam com as relações sociais da sua época, em 1978 John Carpenter dirigiu “Alguém Me Vigia” filme em que vemos uma mulher em seu apartamento que começa a receber diversas ligações ameaçadoras contra a sua vida. Além, é claro, de um dos filmes que mais abertamente abraça as discussões sociais que é o “Eles Vivem” em 1988. 

Dentro do cenário nacional não é diferente, desde sempre vemos obras que suscitam esses debates sobre a nossa sociedade. Se também  utilizarmos o recorte dos últimos dez anos, veremos cineastas e filmes que discutem as relações sociais brasileiras de formas geniais. Assim foi com o trabalho de Juliana Rojas e Marco Dutra nos dois filmes que fizeram juntos “Trabalhar Cansa” e “As Boas Maneiras” que falam sobre diversas questões sociais que estão em voga nos dias de hoje, como as relações de trabalho, as relações entre pessoas LGBTQI+, entre outras tantas questões. 

Gabriela Amaral Almeida também é outra cineasta que trouxe em seus filmes essas encenações sobre as relações sociais. “Animal Cordial” é um filme que representa muito bem o momento em que foi produzido, representa e encena muito bem as relações sociais do Brasil dos últimos anos. Em “A Sombra do Pai” a diretora consegue discutir as relações familiares e de trabalho, o papel da mulher na sociedade e na família e ainda fazer uma lindíssima homenagem a um dos filmes mais icônicas dos anos 1980. É simplesmente genial. 

 

Além de todos esses filmes que citei aqui, vale uma menção a um dos filmes que mais gostei de assistir e que também faz parte dos filmes que estrearam nos últimos anos e que tem uma discussão riquíssima sobre classe sociais, que é “Clube dos Canibais” de Guto Parente, que mostra literalmente a classe mais rica matando e devorando a mais pobre. 

Muitas vezes essas relações sociais são construídas através de ideias e conceitos dominantes da época, assim foi com a punição ao sexo e as ações que se apresentam como desvios sociais com a morte em filmes do horror, sobretudo os que fazem parte do subgênero do slasher. 

Eu não canso de falar que o cinema é político e que todos os filmes tem algo a dizer além daquilo que está mostrando na tela. Mais do que as próprias qualidades narrativas, estéticas, de atuações, de roteiro entre outras coisas, é muito importante tentarmos observar aquilo que está no extracampo das obras. Entender quais são as relações sociais que estão ali e como e por qual motivo elas foram construídas daquela forma. Isso faz uma obra ser melhor ainda do que ela já é, faz ela ser ainda mais representativa no seu tempo.