O conceito de Manic Pixie Dream Girl popularizou-se com as personagens de Kirsten Dunst e Zooey Deschanel em Elizabethtown e 500 Days of Summer, respectivamente. Ambas são o fio narrativo das histórias, que giram em torno de homens com seus quase trinta anos, que ainda não conseguiram resolver suas vidas. Como se num passe de mágica, a presença dessas mulheres faz com que eles percebam o que estão fazendo de errado e tenham a chance de um recomeço. Muito comum em comédias românticas, a MPDG foi usada à exaustão durante quase uma década. Agora, no entanto, podemos ver enredos melhores, que não fazem uso desse estereótipo redutor e problemático. Porém, um dos filmes de terror lançados neste ano utiliza-se justamente desse recurso narrativo: Little Monsters, de Abe Forsythe.

Na trama, conhecemos a história de Dave (Alexander England), um cara na faixa dos trinta anos que foi um péssimo namorado, forçando os limites da relação com sua imaturidade e recusa a crescer. Quando a namorada lhe dá um pé na bunda, Dave vai morar com a irmã, Tess (Kat Stewart), e com o sobrinho, Felix (Diesel La Torraca). Com zero habilidades como adulto, Dave se vê como um pobre rapaz desafortunado quando percebe que terá que ajudar a irmã a cuidar do sobrinho, que ainda é pequeno. Mas tudo muda quando, ao levar o menino para a pré-escola, ele conhece a professora, Miss Caroline (Lupita Nyong’o). A partir daí, Dave passa a ser um ótimo tio, comprometido com Felix, auxiliando a irmã e se oferecendo a ir, como monitor da turma, em um passeio do pré. Tudo, obviamente, para ficar perto de Miss Caroline. E é aí que acontecem os problemas.

O filme é um terror com tons de comédia, sobre zumbis, na mesma linha de Shaun of the Dead e Zumbilândia. Narrativas de comédia que contam histórias sobre mortos-vivos funcionam perfeitamente, fazendo o balando entre o horror e o alívio cômico de personagens que não sabem exatamente o que estão fazendo e estão longe de ser super-heróis. Little Monsters é assim. Para mim, é inegável que esse é um dos melhores filmes de zumbis já feitos, tanto pela originalidade (uma professora da pré-escola lutando contra zumbis, num parque temático, para proteger sua turma, enquanto os faz pensar que tudo não passa de uma simulação de jogo, para não assustar as crianças) quanto pela delicadeza. A parte do terror zumbi é inquestionavelmente bem feita. Maquiagem, efeitos, algumas cenas de gore, tudo está bem amarrado. O problema não é esse. O problema é a dinâmica entre Dave e Miss Caroline.

Ela é um anjo, idealizada ao extremo. Com roupas coloridas, um enorme sorriso, cantando Taylor Swift para as crianças, Miss Caroline não poderia ser mais querida. Dave, por outro lado, é um idiota. Um homem adulto que se recusa a crescer e a se responsabilizar por seus atos, só se importa com sua banda, que não vai pra frente, e não consegue olhar um palmo para além de suas necessidades egoístas; ele é um peso para todos que o conhecem. Mas, ao ver Miss Caroline, ele percebe que precisa ser melhor para conseguir aquela mulher. É um clichê batido da comédia, mas ainda relativamente novo em filmes de terror. O homem babaca que encontra na Manic Pixie Dream Girl a resposta para a pergunta que, até então, ele nem tinha. Todo o background, com a história sobre motivações, desilusões e esperanças, é dada a ele. Sobre Miss Caroline, só ficamos sabendo pouca coisa que ela conta já na parte final, sobre como uma adolescência rebelde a levou para a pedagogia. O que sabemos sobre ela durante quase todo o filme é que ela é querida, bonita, alegre e boa de briga. Ou seja, a mulher perfeita, na visão de Dave.

Embora Little Monsters seja um filme realmente bom e divertido na medida certa, ele perde muito ao usar esse recurso estereotipado. Durante muitos anos, vimos o cinema colocar belas mulheres que eram contratadas para não ser mais do que isso nas telas. Elas foram a motivação de vingança e melhorias, de acúmulo de riquezas ou assassinatos cruéis. Mas eram sempre as bonitas e delicadas mulheres, a quem nada parecia atingir e que deixavam homens irrecuperáveis. Com a crítica feminista, a representação das mulheres passou a ser mais complexa. Há algumas décadas, temos visto personagens densas, nada estereotipadas e brilhantemente trabalhadas. Elas não são mais acessórios para a redenção masculina. Entretanto, ainda existem obras que se recusam a aprofundar as personagens femininas, condenando-as a um destino semelhante a de tantas outras da Era de Ouro do cinema. Contudo, para não serem chamados de misóginos, a personagem feminina pode ser uma Manic Pixie Dream Girl, e ter a profundidade de uma colher de chá, mas ela também será forte, combativa, capaz de matar zumbis e salvar o dia.

Ao contrário das femme fatales, que dominaram o cinema por muito tempo, as MPDG são doces, se vestem de forma diferente e chamativa mas, ao mesmo tempo, são únicas aos olhos do personagem masculino, por serem fortes e determinadas, até mesmo sábias, características que, de forma misógina, não são geralmente associadas à feminilidade que elas representam nas telas. Não consigo enxergar a MPDG de outra forma que não desrespeitosa e limitadora. Ela é uma criação da mente masculina, um fetiche que não corresponde ao mundo real.

Gosto muito de Little Monsters enquanto filme de zumbi. Mas, enquanto filme de terror com o protagonismo de uma mulher (e não é qualquer mulher, é a Lupita Nyong’o, uma das melhores atrizes dos nossos tempos), ele deixa muito a desejar. Todo o plot da invasão zumbi parece existir apenas para justificar o crescimento de Dave que, em um dia ao lado da professora bonita, alegre e valente, atinge o crescimento emocional que não havia tido em três décadas de existência. Miss Caroline corta zumbis ao meio enquanto canta para seus alunos, mas é Dave quem ganha o protagonismo final ao se transformar de homem imaturo em homem responsável e pronto para uma relação verdadeira.

Nenhuma obra é obrigada a aprofundar personagens para ser boa. É bem verdade que a história poderia ser apenas sobre uma professora salvando seus alunos de uma invasão zumbi, sem grandes contextos, e seria excelente dessa maneira. No entanto, o que vemos é a história do incidente zumbi acontecer porque era necessário aprofundar o triste e sem rumo Dave. E, para tal, a escolha do diretor foi utilizar o cansativo trope da MPDG. Uma pena. Não queremos mais ser as mocinhas que salvam o coração do homem perdido. Queremos ser as protagonistas de nossa própria salvação.