Faremos aqui uma pequena análise literária do conto: A Fera na Caverna (The Beast in the Cave), de H.P. Lovecraft. É um conto curto, mas cheio de horror e suspense. A história foi escrita no ano de 1905 ou aproximadamente nesta data, pois não há registros concretos de quando fora escrita, mas se sabe que foi entre os 16 ou 20 anos de idade do autor.  Caso ainda não tenha lido a história ou deseja ler novamente, clique no link abaixo.

A Fera na Caverna

Resumo

Após o protagonista sair da rota de um grupo excursionista na caverna Mammoth (localizada no estado de Kentucky-EUA), ele se perde nos caminhos escuros da grande caverna, e apenas com uma tocha, ele tenta tomar seu caminho de volta, mas a sua tocha se apaga. Em uma ineficaz tentativa de gritar por socorro, ele tenta chamar o guia ou alguém que esteja por perto, mas acaba chamando a atenção de uma criatura. Ele escuta os passos de um animal ou criatura, que suspostamente caminha sobre quatro pés. Seria algum animal? Um leão da montanha? Pensa o nosso protagonista. Talvez ali estava uma chance de ele ter uma morte mais rápida e não tanto piedosa quanto a fome. O medo e o desespero toma conta de todo seu ser, e mesmo com os inúmeros pensamentos, ele acaba deixando seu extinto de vida falar mais alto, e se toma de total silêncio, para que a fera não o encontrasse, e caso o encontre, ele estaria disposto a lutar com a criatura. Petrificado de medo dos largos passos que agora soava alto em seus ouvidos, ele agarra um pedra e a atira na direção de seu atual inimigo, que por sua vez, acabou se esquivando da pedra. Mas na segunda tentativa, a pedra acerta a criatura, que caiu no chão fortemente ferida. O baque da criatura sobre o chão confirma a sua queda. Nosso protagonista sai correndo de medo, tentando aproveitar o tempo que ganhara para se distanciar o máximo que conseguiria da fera.

Correndo pelo caminho oposto, ele escutou cliques metálicos, que com certeza eram emitidos pelo equipamento do guia, que usara para reunir todos da expedição. A alegria e a sensação de ser salvo tomou conta de si. O que o fez correr mais rápido na direção da luz emitida pela tocha do guia. Tremulo e nervoso, ele conta todo o sufoco que passara nas ultimas quatro horas. Ele pede então para o guia, junto com sua tocha, que vão de encontro com a criatura. Ao chegarem perto, com a fraca luz da tocha, eles percebem um corpo branco e estranhamente pálido, curvado e caído sobre o chão. Era como um grande macaco albino que há muito, já não via a luz do sol. Tinha pelos brancos e grandes garras. O guia, em um movimento rápido, sacou a arma para por fim, tirar a vida daquela criatura. Mas devido a um súbito grito emitido por ela, o guia deixou a arma cair e não foi capaz de atirar. Após o grito que parecia um sussurro nunca antes ouvido, a fera se virou e apresentou sua cara que agora era totalmente iluminada pela fraca luz da tocha. A íris do olho da criatura já havia desaparecido por completo, a pupila tomou conta de todo o globo ocular, seu rosto não continha tanto pelo quanto imaginara. Espantados, eles percebem que a criatura que agora estava dando seus últimos suspiros, era ou algum dia foi um infeliz homem que se perderá naquela caverna.

Analisando

A história é contada na forma de primeira pessoa, que nos dá a impressão que o personagem principal seja o próprio Lovecraft. Contendo apenas três personagens: O guia, como personagem secundário, A Fera; como o antagonista ou inimigo e o Rapaz perdido como personagem principal, e que expõe seus pensamentos, medos e dúvidas que adquire no decorrer da história. Ao ler o conto, tive a sensação de estar lendo uma rebuscada carta escrita pelo próprio H.P., relatando seus acontecimentos na temível caverna. Já nos primeiros capítulos, entendemos o enredo da história, e qual é a situação e sentimentos do personagem principal. Perdido na caverna, e com medo do escuro, morrer de fome e medo do desconhecido. No desenvolver da história, entendemos o que poderia ser o inimigo. No seguinte trecho, ele nos apresenta parcialmente o que viria ser seu oculto inimigo.

“Eu ocupava minha vigília terrível com conjecturas grotescas sobre quais alterações a vida na caverna havia provocado na estrutura física da fera, lembrando das aparências pavorosas atribuídas pela tradição local aos tuberculosos que tinham morrido após uma longa permanência nela.”

Depois disso, podemos imaginar o que seria a fera tão temível. A história tem dois momentos de clímax. O primeiro é quando o “herói” luta pela sua vida, e atira duas pedras na fera, e após golpeada, ele corre pela sua vida, em busca de alguma saída ou apenas estar o mais longe possível da criatura. O segundo momento de clímax é após o personagem principal se encontrar com o guia que acabou voltando para procurá-lo. Eles retornam ao local aonde a criatura estaria caída e descobrem que a criatura (agora morta), foi ou seria um homem. E assim a história acaba, deixando um clima de tensão no ar.

A Criatura

A fera criada por Lovecraft nessa história, é com certeza a coisa que mais dá medo, pavor e estranheza. E não digo pela sua rara aparência, e sim o medo quando sentimos empatia pela fera, e tentar imaginar como aquele homem, chegou até o interior daquela caverna, e quais foram seus sofrimentos, medos e angustias, até se tornar aquela horripilante fera. Será que ao perceber que havia alguém ali dentro também, a criatura também não sentira medo? E se pensarmos mais longe, talvez a criatura fosse o próprio protagonista, mas de um mundo paralelo, que não foi salvo e ficou preso dentro da escura caverna.

Tentar imaginar as criaturas de Lovecraft é minha parte preferida quando leio suas histórias, e a história de A Fera na Caverna, também não ficaria de fora. Vou relacionar aqui embaixo as vezes que a fera foi descrita pelo autor.

“A maior parte do tempo os passos pareciam ser de um quadrúpede, caminhando singularmente sem um ruído uníssono entre as patas traseiras e dianteiras, entretanto, em intervalos breves e esporádicos, eu imaginava que apenas duas patas estavam envolvidas no processo de locomoção. Fiquei a me perguntar que espécie de animal iria confrontar-me; ele devia ser alguma fera azarada que pagará por sua curiosidade de investigar uma das entradas da gruta temível com um confinamento perpétuo nessas reentrâncias intermináveis.”

“Logo divisamos um objeto branco sobre o chão, um objeto mais branco do que o próprio calcário reluzente. Avançando com cuidado, soltamos uma exclamação simultânea de espanto, pois de todos os monstros esquisitos que qualquer um de nós vira em vida, esse possuía um grau incomparável de estranheza. Parecia ser um macaco antropoide de grandes proporções, fugido talvez de algum show de feras itinerante. Seu cabelo era branco como a neve, algo sem dúvida devido à ação descorante de uma longa estadia no breu do confinamento de uma caverna, mas era também surpreendentemente magro, em grande parte sem pelos, a não ser na cabeça, onde era de um comprimento e profusão que caía sobre os ombros com uma abundância considerável.”

“A curva dos membros era bastante singular, o que explicava, entretanto, a alternação no seu uso que eu observara antes, e através da qual a fera usava algumas vezes todas as quatro patas para progredir e em outras ocasiões apenas duas. Das pontas dos dedos das patas, estendiam-se longas garras como as de uma ratazana. As patas não eram preênseis, fato que atribuí à longa permanência na caverna que, como havia mencionado antes, parecia evidente pela brancura impregnada e quase fantasmagórica tão característica de toda sua anatomia. Ele parecia não ter rabo.”

“Eles eram escuros, aqueles olhos, de um âmbar-negro, num contraste terrível com o cabelo e a pele cor de neve. Assim como os olhos de outros moradores das cavernas, eles eram afundados nas suas órbitas e inteiramente destituídos da íris. Quando olhei mais proximamente, vi que faziam parte de um rosto menos prógnato do que o de um macaco médio e infinitamente menos peludo. O nariz era bem-definido.”

 

A fera é muito bem descrita, e chega muito perto da logica natural das consequências trazidas por permanecer muito tempo em um local escuro e fechado. Como por exemplo: a perda da pigmentação da pele e o preenchimento da pupila em todo o olho. Pela falta de luz, a pupila se dilata para captar o maior claridade possível, por isso os animais noturnos sempre tem olhos e pupilas enormes.

Cavernas são ambientes que levantam uma atmosfera de medo para muitas pessoas, principalmente aquelas que tem claustrofobia (fobia a locais fechados). Para aqueles que já tiveram a oportunidade de entrar em uma caverna, irão compreender ou imaginar melhor esses medos passados pelo nosso principal personagem. Eu já tive a oportunidade de conhecer algumas cavernas, e garanto, que na total escuridão, não faz diferença se seus olhos estão abertos ou fechados. O breu toma conta de tudo, não se enxerga nada. Lovecraft relata isso muito bem na história, o que me faz pensar que ele já adentrara em alguma caverna antes de escrever esta história.

Vou finalizando a analise dessa obra literária, concluindo que o medo da empatia pode ser mais temível do que uma horripilante criatura em si. É uma história curta, mas ricas em detalhes, descrições e conteúdo, pois ao ler o conto, inúmeros pensamentos vem à mente, ao imaginarmos como se iniciara todo aquele desfecho. Lovecraft termina essa história, nos contato coisas além do que está escrito.  Eu gosto bastante desta história, e estou trazendo-a para cá, para compartilhar com você, leitor.

Espero que tenham gostado do texto, e caso queira saber mais sobre o Lovecraft, vou deixar aqui embaixo os links de alguns de nossos trabalhos, aonde falamos ou citamos suas obras.

Podcast Episodio #10 – Lovecraft

Horror Cósmico 

Podcast Episodio #45 – A Cor que Caiu do Espaço